Folha de S. Paulo


FELIPE SALTO

Banco Central acertou ao reduzir taxa de juros? SIM

BOM COMEÇO, MAS QUEDA DEVERIA SER MAIOR

O Banco Central tomou coragem e iniciou um ciclo de redução dos juros. A queda foi de 0,25 ponto percentual, para 14% ao ano. A intensidade deveria ter sido maior, mas já é um começo.

Apesar das incertezas, a melhora das expectativas, resultado da atitude decidida do governo Michel Temer na seara fiscal, deu mais força à redução da Selic. Juros menores têm o condão de turbinar o investimento. A dívida das empresas cai e o gasto do governo se retrai. Nessa toada, voltaremos a crescer.

Se a taxa interna de retorno de um projeto de investimento é inferior à remuneração oferecida nos títulos públicos (a Selic), o projeto não sai do papel. Logo, quanto menor a taxa de juros, maior o número de investimentos viáveis economicamente.

O retorno de 10% em uma fábrica de sapatos é muito ou pouco? Depende de quanto eu ganharia colocando esse capital em títulos públicos.

Ao fixar determinado nível de juros, busca-se certo patamar de inflação em um prazo de um ou dois anos, mas sem tirar o olho do lado real: produção, emprego e investimento.

Por exemplo, para o ano que vem, o próprio BC já prevê uma inflação de 4,4%, abaixo do centro da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (4,5%). Quanto ao PIB, nunca estivemos tão mal: um tombo, entre 2015 e 2016, de mais de 7%.

Os analistas preveem inflação de 5% para os próximos 12 meses. Desde novembro do ano passado, a expectativa dos agentes econômicos já caiu quase dois pontos e meio.

Isto é, o juro real, variável mais relevante para a decisão de investimento (pois desconta a perda com a inflação), estava subindo até a última quarta-feira (19), mesmo com a Selic inalterada.

O juro brasileiro é uma espécie de jabuticaba. Amarga. Com dívida de 70% do PIB ou R$ 4,3 trilhões, o Brasil paga 8,5% de juros reais. Países com níveis similares de dívida têm taxas de juros reais negativas ou, quando positivas, iguais a 2% ao ano, no máximo.

Os juros brasileiros estão muito acima do nível internacional acrescido do risco país. Isto é, estamos pagando muito mais do que o necessário para cobrir o diferencial de risco para o investidor que tem de decidir colocar dinheiro aqui ou mandar para os Estados Unidos. Isso cria um estímulo para a entrada de dinheiro especulativo no Brasil: entra, ganha o juro e vai embora depois do pernoite.

Marcos Lisboa argumentou nesta Folha que o critério da taxa natural seria o relevante para a decisão sobre os juros. Trata-se do seguinte: observar como está se comportando o consumo (incluindo o governo) e a capacidade de produção e, na presença de pressões excessivas do primeiro sobre a segunda, juros para cima.

Ora, mas se a economia está em depressão profunda, a léguas de distância do seu potencial (o máximo PIB possível dadas a mão de obra, a infraestrutura, a produtividade etc.), esse argumento não para em pé por mais de dois segundos.

Isso não anula a necessidade de ajuste fiscal duro, profundo e abrangente. O Estado precisa ganhar músculos e perder peso para financiar mais e melhores políticas públicas.

Aliás, só como resultado da redução de 0,25 ponto percentual, o setor público deixará de pagar R$ 6,5 bilhões em juros ao setor privado. Do ponto de vista das empresas, menos dívidas e mais investimentos.

O BC tomou a decisão certa, sobretudo diante da perspectiva de equacionamento do buraco das contas públicas com a PEC do teto de gastos. Todavia, é preciso intensificar a redução.

Ao realinhar estruturalmente os juros, combateremos a tendência crônica de valorização artificial do real frente ao dólar e, com isso, desintoxicaremos a indústria e teremos a oportunidade de voltar a crescer e a reduzir a pobreza.

FELIPE SALTO, economista, mestre em administração pública pela Fundação Getulio Vargas, é coautor do livro "Finanças Públicas: da Contabilidade Criativa ao Resgate da Credibilidade" (Record)

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