Folha de S. Paulo


Carlos Eduardo Gonçalves, Mauro Rodrigues e Irineu Carvalho Filho

PEC 241 ou morte!

O governo está prestes a colocar em votação a proposta de emenda constitucional que limita o crescimento do gasto público no país. Que fique claro o que está em jogo: sem essa Proposta de Emenda Constitucional (PEC 241), perderemos nossa independência. Voltaremos à condição de servos do dragão inflacionário, ressurgido das cinzas para lançar-nos ao caos econômico.

O que nossos estamentos insistiram em ignorar por muito tempo é que, em economia, infelizmente, não há mágicas. Há restrições orçamentárias que precisam ser respeitadas.

Quando uma família gasta mais do que tem, por exemplo, endivida-se para cobrir a diferença. Aí, no mês seguinte, se não gastar menos, a dívida cresce, como a proverbial bola de neve de potencial esmagador. Invariavelmente, a coisa termina em desastre.

O CPF fica sujo, a Justiça bate à porta. Se a dívida é com amigos, "tchau, tchau, amizade". E se é com a família? O endividado cai no ostracismo, vira ovelha negra.

No trabalho, as coisas pioram. Uma pessoa atolada em dívidas se torna menos produtiva. O desemprego pode chegar, piorando uma situação já ruim. E nada de crédito adicional, o que significa que o ajuste vem de qualquer maneira, só que muito mais dolorosamente.

os governos têm uma opção extra, emitir moeda para abater parte da dívida. Mas há um custo sinistro: a sociedade se torna serva da inflação. Velha conhecida nossa, a inflação tupiniquim foi domada só quando tampamos a panela do deficit público, há cerca de 20 anos. No caso, com aumento incessante da carga tributária e uso de receitas extraordinárias (não recorrentes).

Foi como uma família em que o casal arruma dois empregos e, ao mesmo tempo, recebe da tia falecida uma herança que chega na hora certa: a conta passou a fechar sem cortes de gastos. Mas esse alívio é temporário. Se os gastos continuam crescendo, o que fazer? Três empregos é algo inviável e a tia rica só morre uma vez.

A carga tributária no Brasil parou de crescer já faz algum tempo. Começou a cair, recentemente, por causa da recessão. Mas, do outro lado da balança (ou do balanço), os gastos cresceram como sempre, como se não existisse amanhã. Num primeiro momento, o descompasso foi absorvido com elevação de dívida. Porém, como no exemplo da família endividada, a dívida, sem estancarmos os gastos, só pode terminar em bola de neve.

Escrevendo agora, em outubro de 2016, estamos certos: não há mais coelhos para tirar da cartola. Dificilmente a sociedade aceitará mais impostos enfiados pela goela. E os financiadores já vão ficando desconfiados com o tamanho da conta.

Que o leitor não se iluda: o ajuste vai acontecer de qualquer modo. Resta-nos escolher como.

A PEC 241 sugere uma saída suave. Limita o crescimento dos gastos totais pela inflação do ano anterior e garante, assim, uma redução gradual do enorme endividamento.

Fará isso respeitando limites mínimos constitucionais de gastos com saúde e educação e devolvendo ao Congresso a tarefa de escolher em que lugar alocar recursos arrecadados da sociedade -o que fortalece o processo democrático e ajuda a limitar as barganhas entre Executivo e Legislativo.

Há duas opções à PEC 241: o calote explícito da dívida, que nos levaria ao caos econômico, ou o uso do recurso inflacionário, que nos levaria exatamente ao mesmo lugar.

O país chegou à encruzilhada. Ou fazemos o ajuste fiscal ou descemos ao desagradável reino de Hades -sem poeta para nos guiar.

CARLOS EDUARDO GONÇALVES é professor e doutor em economia pela USP

MAURO RODRIGUES é é professor de economia da USP

IRINEU DE CARVALHO FILHO é doutor em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT)

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