Folha de S. Paulo


editorial

Nota perversa

Já não se veem alunos jogando cadeiras escada abaixo, relata uma estudante da Escola Estadual Nair Olegário Cajueiro (zona sul de São Paulo), mas o ano letivo começou sem que houvesse docentes para pelo menos três disciplinas e continuou com menos de 40% dos professores especializados nos temas que ministram.

Inexistindo rampas de acesso e estando o elevador quebrado, uma jovem cadeirante depende do auxílio de colegas para chegar ao segundo andar, onde tem aulas. Numa cena de realismo fantástico, a quadra esportiva ficou boa parte do tempo inutilizada devido ao acúmulo de fezes de pombos.

Pior média no Enem (Exame Nacional de Ensino Médio) de 2015 entre as escolas paulistanas, a Cajueiro reúne problemas estruturais que compõem o quadro da rede pública de ensino e produzem óbvios reflexos na qualidade da educação.

O vergonhoso descompasso da educação no Brasil se evidenciou, mais uma vez, com os números divulgados na terça-feira (4). Nada menos que 91% das unidades públicas ficaram abaixo da média nacional no Enem; no sistema privado, esse índice cai para 17%.

A média geral é calculada a partir das notas das quatro provas objetivas: linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza. Entre as 100 escolas que se saíram melhor no país, apenas 3 são públicas; entre as 1.000, só 49 —na edição de 2014, eram 93.

Trata-se de cenário desolador, sobretudo porque há indícios de que a situação seja ainda pior.

Como somente se divulgam os dados de escolas em que ao menos metade dos alunos participou do Enem, 60% das escolas públicas não figuram na lista —e é razoável supor que nelas se encontram os jovens mais desestimulados, pois a maioria nem procura essa porta de acesso às universidades.

A escola pública deveria favorecer a igualdade de oportunidades. Como regra, no entanto, alimenta o círculo de exclusão em que o aluno pobre vive desde o berço.

A análise das unidades com as melhores notas atesta a importância da renda no resultado. Das 200 primeiras instituições da lista, 180 possuem alunos com nível socioeconômico alto e muito alto (a classificação leva em conta a escolaridade dos pais, renda e bens da família, entre outro fatores).

É mais que oportuno, portanto, o debate sobre a reforma do ensino médio, ora em análise no Congresso, e a confecção da base nacional comum curricular.

Ampliar a carga horária das escolas, delimitar o conteúdo obrigatório e dar mais autonomia ao aluno na escolha das disciplinas são passos positivos para renovar um sistema hoje condenado ao fracasso.

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