Folha de S. Paulo


BAN KI-MOON

Uma resposta global aos refugiados

Nenhuma outra questão da agenda global é mais suscetível à manipulação por parte dos demagogos do que a dos refugiados e migrantes. "Nós" contra "eles" é um unificador irresponsável e atemporal, usado ao longo da história para obscurecer nossa humanidade comum.

A diferença agora é que, mais do que nunca, as pessoas estão em movimento, numa época em que narrativas se espalham com velocidade viral, e vemos uma crescente xenofobia -muitas vezes irrompendo em violência.

A Cúpula da ONU para Refugiados e Migrantes, realizada na semana passada em Nova York, representa um avanço em um ponto de ruptura. Com tantas vozes estridentes dominando o debate, governos de todo o mundo respondem em tons balanceados que podem produzir resultados reais, se as promessas forem cumpridas.

A cúpula marcou a primeira reunião de líderes para discutir esse importante tema. Adotou um acordo histórico de consenso, a Declaração de Nova York, que define uma abordagem pragmática e baseada em princípios para enfrentar os desafios de pessoas em movimento.

Há 244 milhões de migrantes no mundo; mais de 65 milhões de pessoas estão deslocadas à força. Metade delas são crianças.

Refugiados enfrentam graves perigos em suas jornadas por segurança. Quando chegam a outros países, muitos sofrem discriminação -alguns são até presos. As vias legais são escassas, enquanto contrabandistas sem escrúpulos se aproveitam da situação, cobrando taxas exorbitantes por uma chance arriscada de escapar.

As guerras se tornaram mais duradouras, e os refugiados encontram dificuldades de voltar para casa. O tempo de deslocamento se estende, em alguns casos, por gerações.

Ao contrário do que em geral se pensa, a grande maioria dos refugiados não está em países ricos: 86% se deslocaram para regiões em desenvolvimento.

Esses países, por sua vez, raramente possuem condições de atendê-los de maneira adequada. No ano passado, apelos humanitários das Nações Unidas receberam pouco mais de metade dos recursos solicitados.

Os desafios são enormes, mas não devemos esquecer os benefícios. Com a abordagem certa, refugiados e migrantes podem trazer ganhos para ambas as sociedades, a de recepção e a de origem. É central, nesse processo, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, nosso plano global de paz e prosperidade em um planeta saudável.

A cúpula em Nova York contou com depoimentos de pessoas diretamente afetadas. Uma delas foi a síria Yusra Mardini, que competiu nos Jogos Olímpicos do Rio pela nova equipe de refugiados estabelecida para os atletas que, como outros milhões, foram forçados a sair de suas terras natais.

Antes de nadar em competições, Yusra foi posta à prova para salvar vidas. No ano passado, deixou a Síria em um barco superlotado. Quando o motor parou, ela e sua irmã, junto a outros do grupo, mergulharam no mar Egeu e, por longas três horas, empurraram o barco até a costa. Chegaram exaustas, mas provaram o poder da solidariedade humana para nos levar à segurança.

A humanidade está junta em um só barco. Promover o medo, culpar o outro ou tornar as minorias bodes expiatórios apenas aumentará os perigos para todos.

Líderes sábios entendem que devemos, em vez de nos esforçar para salvar todos, otimizar as contribuições de cada um, orientando nosso barco comum para um destino compartilhado: um futuro de oportunidades e dignidade para todos.

BAN KI-MOON, 71, é secretário-geral da ONU - Organização das Nações Unidas. Foi diplomata e ministro das Relações Exteriores e do Comércio
da Coreia do Sul

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