Folha de S. Paulo


editorial

Atenção à cracolândia

São interessantes os resultados da primeira avaliação sistemática do programa De Braços Abertos, iniciado há dois anos e meio na chamada cracolândia, no bairro paulistano da Luz: boa parte de seus beneficiários afirma ter reduzido o consumo de crack.

O estudo foi conduzido pela rede de ONGs Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), com financiamento da Open Society, organização fundada pelo bilionário húngaro-americano George Soros.

Por meio de questionários e entrevistas com 80 beneficiários, o trabalho traçou um perfil dessa população e mediu os impactos do programa, que atende hoje cerca de 500 pessoas (na época do levantamento eram 370).

Baseada no conceito de redução de danos, a iniciativa de Fernando Haddad (PT) oferece novas bases para a reabilitação e a reinserção social dos dependentes —hospedagem, alimentação e trabalho— sem exigir sua abstinência.

O complemento obrigatório deveria ser a repressão ao tráfico na região, que no entanto não vem impedindo a chegada da droga naquele encrave. Após anos de tolerância com a atividade criminosa, na primeira semana de agosto uma grande operação de policiais civis e militares na área redundou na prisão de mais de 30 suspeitos.

Segundo o levantamento da PBPD, que seguiu protocolos da Organização Mundial da Saúde para esse tipo de investigação, mais de 65% dos beneficiários declararam ter reduzido o consumo de crack após ingressar no programa; 76% teriam aderido à frente de trabalho, em atividades como varrição e jardinagem (a participação na frente é voluntária).

A despeito desses indicadores, a iniciativa precisa ser aperfeiçoada. Entre os reparos frequentes se encontram as condições e a localização dos hotéis do programa, a maioria na área da própria cracolândia. Em face das críticas recebidas, a prefeitura iniciou em agosto a transferência para estabelecimentos em outras áreas da capital.

Há que corrigir ainda o descompasso entre a intervenção municipal e o programa Recomeço, do governo do Estado. Este parte de filosofia diversa: busca a saída do vício pela via da abstinência, com internação em hospitais e atendimento em comunidades terapêuticas.

Como a internação não deve ser compulsória (salvo raras exceções), resta evidente que os dois programas perseguem o mesmo objetivo —ajudar o dependente— por meios complementares, não opostos. Sem maior coordenação entre eles e mais empenho na erradicação do tráfico, correm o risco de fracassar.

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