Folha de S. Paulo


LAURITA VAZ

O paradoxo do STJ

O STJ (Superior Tribunal de Justiça), cuja presidência tive a honra de assumir no dia 1º de setembro, é uma imponente estrutura administrativa, com quase 5.000 colaboradores (entre servidores, comissionados, estagiários e terceirizados) e orçamento de R$ 1,164 bilhão para 2016.

Nada, entretanto, parece excessivo ante as colossais dimensões que suas tarefas adquiriram nos últimos anos. Para se ter uma ideia, de janeiro a dezembro de 2015 chegaram 327.841 novos casos ao tribunal. No primeiro semestre deste ano, o número de processos recebidos já havia superado em 20% o do mesmo período do ano passado.

Frente a tal volume de trabalho, o STJ tem apelado para a criatividade e a tecnologia. Novas ferramentas de triagem vêm sendo utilizadas, com grande êxito, para permitir o julgamento sumário de feitos com vícios processuais ou para dar à parte a oportunidade de corrigir tais vícios, quando sanáveis, ainda antes da distribuição.

Por mais exitosos que se mostrem os esforços do tribunal ao lidar com os desafios impostos pela demanda, e por mais necessários que eles sejam, o fato é que vivemos um paradoxo: quanto mais julgamos, mais nos distanciamos daquilo que é, essencialmente, a nossa missão constitucional.

O STJ foi criado em 1988 para equalizar a interpretação do direito federal infraconstitucional, assegurando, por meio do julgamento do recurso especial, a aplicação uniforme das leis em todo o país.

Entretanto, a crescente judicialização, a ampliação do acesso à Justiça, a consciência cada vez maior dos cidadãos acerca de seus direitos, a própria existência de novos direitos e a multiplicação de conflitos numa sociedade mais complexa -tudo aliado a um sistema recursal ainda bastante permissivo- tendem a transformar os tribunais em usinas de processamento de feitos, e os magistrados, em gerentes dessa linha de produção.

É preciso julgar menos, mais rápido e com qualidade. No caso específico do STJ, o recurso especial tem sido utilizado para todo e qualquer questionamento quanto à aplicação de lei federal, mesmo quando a solução da controvérsia não repercuta senão para as partes diretamente envolvidas. Enquanto isso, questões realmente importantes do ponto de vista jurídico, político, social ou econômico, com reflexos para todo o país, ficam na fila, aguardando a atenção dos ministros.

A Proposta de Emenda Constitucional 209/2012, que condiciona a admissão do recurso especial ao reconhecimento da relevância da questão federal discutida, representa uma esperança de que o STJ retome o caminho que lhe foi traçado pelo constituinte. A matéria aguarda o pronunciamento do plenário da Câmara dos Deputados, após o que terá de passar pelo Senado.

É urgente que o Congresso Nacional aprove a PEC 209 para corrigir o desvirtuamento da função institucional do STJ, hoje mais ocupado em resolver casos individuais do que em definir teses jurídicas relevantes para a sociedade.

Como a construção de uma jurisprudência sólida, abrangente e uniforme favorece a prestação jurisdicional em todas as instâncias, esta será também uma importante contribuição para resolver o crônico problema da morosidade, o maior dos pecados da nossa Justiça.

LAURITA VAZ, é presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Foi promotora de Justiça do Ministério Público de Goiás e do procuradora da República do Ministério Público Federal

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