Folha de S. Paulo


RICARDO SAYEG

Foi correta a decisão de fatiar a votação do impeachment de Dilma? SIM

PROCEDIMENTO RESPEITOU DIREITO DE DEFESA

No processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, decidiu-se separar a votação da perda do mandato da votação da inabilitação política. Ela teve o mandato cassado, mas preservou o direito a exercer funções públicas.

A partir disso, uma celeuma nacional foi instalada quanto à conduta do Senado Federal em permitir e realizar esse modo de votação.

Com efeito, ao meu entender, assim como o processo de impeachment não foi golpe, o referido modo de votação e o respectivo resultado não foram inconstitucionais.
É certo que a Constituição Federal prevê o processo de impeachment do presidente da República por crime de responsabilidade, com as consequências da perda de mandato e da respectiva inabilitação política.

Todavia, não é menos certo que, embora tribunal leigo, o Senado, no processo penal de crime de responsabilidade de presidente da República, é a corte criminal competente para conhecer, julgar a acusação e, em caso de condenação, ditar a respectiva sanção.

As penas para o crime de responsabilidade de presidente da República não são corporais, restritivas de liberdade, mas sim restritivas de direitos -a perda de mandato e a inabilitação política.

Assim sendo, como colégio de juízes da causa, cabe ao conjunto dos senadores, com o quórum estabelecido na Constituição Federal, decretar a pena devida na sua dosimetria.

Os tratados internacionais de direitos humanos garantem a todo acusado um tribunal competente operando de acordo com o devido processo legal. No caso de Dilma, a pena imposta foi a resposta jurisdicional, na exata medida, tanto em desfavor dela, pois foi condenada e perdeu o mandato presidencial, como em seu favor, pois se defendeu e logrou reduzir a pena ao afastar a inabilitação de seus direitos políticos.

O julgamento deixou evidente: sim, Dilma cometeu crime de responsabilidade com as pedaladas; por outro lado, o dinheiro relacionado àquela conduta delituosa não foi desviado em proveito próprio, para o enriquecimento ilícito dela, e sim destinado ao custeio dos programas sociais do governo federal.

Desvio é ilícito, é claro, mas, no caso de Dilma, não foi infamante. Tal circunstância deve ser levada em consideração, como de fato foi, a título de atenuante, na dosimetria da pena imposta.

O artigo 66, do Código Penal, estabelece uma atenuante inominada de pena, correspondente a qualquer circunstância relevante, anterior ou posterior à prática criminosa, ainda que não prevista em lei. Parece ter sido isso o que, até intuitivamente, aplicaram, com justiça, os senadores. Formaram um tribunal criminal leigo, mas irretocável.

Respeitar a razoabilidade e a proporcionalidade na dosimetria da pena, reconhecendo a circunstância atenuante existente, é sinal de respeito aos direitos de Dilma e, principalmente, ao mandamento constitucional de concretização da dignidade da pessoa humana.

Pena cruel não é a pena dura, mas sim a desproporcional. No caso em questão, seria aquela que não viesse a considerar a aludida atenuante. Convenhamos, a perda do mandato presidencial foi uma pena muito mais dura do que seria a inabilitação dos direitos políticos.

Em caso contrário, ou seja, se não fosse considerada a atenuante em seu favor, Dilma poderia, com razão, recorrer ao Supremo Tribunal.

Portanto, permito-me afirmar que foi legítima a decisão no processo de impeachment de separar a votação da perda do mandato da votação da respectiva inabilitação política.

RICARDO SAYEG, advogado, é presidente da Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br.


Endereço da página:

Links no texto: