Folha de S. Paulo


CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA

Foi correta a decisão de fatiar a votação do impeachment de Dilma? NÃO

VIOLAÇÃO FLAGRANTE DA CONSTITUIÇÃO

Causou perplexidade aos cidadãos brasileiros a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, de desdobrar o quesito a ser apresentado aos senadores para a deliberação sobre a prática de crime de responsabilidade de Dilma Rousseff.

Não é para menos, diante da clareza da norma esculpida no parágrafo único do artigo 52 da Constituição Federal: "Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública".

A lei nº 1.079, de 10 de abril de 1.950, traz o procedimento para o reconhecimento de crime de responsabilidade e consequente afastamento do presidente da República (impeachment). Não há nessa lei nenhum dispositivo que determine, ou dê a entender, que as penas de perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública possam ser aplicadas isoladamente.

O artigo 2º afirma: "Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública".

Por mais que tenhamos boa vontade e façamos todo o esforço hermenêutico possível, não conseguimos visualizar a possibilidade de ser feita a cisão do quesito para aplicação isolada de uma das penas, que são autônomas, mas devem ser aplicadas cumulativamente por mandamento constitucional.

A Constituição Federal expressamente diz que a condenação pelo crime de responsabilidade ensejará a perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. A preposição "com" indica obrigação, não faculdade. Não há margem para a aplicação de uma pena sem a outra.

O constituinte não teria redigido o dispositivo dessa forma se a intenção fosse a de possibilitar a aplicação das penas isoladamente.

Ao fatiar o quesito em dois, o presidente do STF violou flagrantemente a Constituição, criando uma norma inexistente em nosso ordenamento jurídico. Somente com procedimento próprio, previsto na Magna Carta, poderia haver alteração.

É princípio básico de hermenêutica jurídica que a norma infraconstitucional deve ser interpretada de acordo com a Constituição Federal, nunca o contrário.

Nem o regimento interno do Senado ou mesmo a lei nº 1.079 poderiam ser interpretados de modo a contrariar uma norma constitucional que expressamente determina o cúmulo material das penas de perda do cargo e de inabilitação para o exercício de função pública.

No julgamento do ex-presidente Fernando Collor, como houve renúncia ao mandato, deliberou-se prosseguir com o processo de impeachment para aplicação da pena de inabilitação.

Foi impugnada a decisão com a impetração de mandado de segurança, por fim indeferido. Decidiu-se que "não é possível a aplicação da pena de perda do cargo, apenas, nem a pena de inabilitação assume caráter de acessoriedade".

Entendendo-se que a pena de inabilitação é acessória, no caso de renúncia ao mandato no decorrer do processo não seria possível sua aplicação diante da inexistência da pena principal.

Acreditamos que, por motivos políticos, o resultado do julgamento não será alterado pelo STF, pois isso implicaria rever decisão de mérito proferida pelo Senado Federal, com ofensa ao princípio da separação dos Poderes.

CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA, mestre em direito das relações sociais pela PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é promotor de Justiça em São Paulo

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