Folha de S. Paulo


RONALDO PINHEIRO DE QUEIROZ

Projeto de dez medidas contra a corrupção deve ser aprovado integralmente pelo Congresso? SIM

OPORTUNIDADE ÚNICA DE TRANSFORMAÇÃO

O estado da arte é o seguinte: o Brasil amarga a 76ª posição no ranking de percepção da corrupção da Transparência Internacional; a ONU estima que R$ 200 bilhões são desviados por ano em nosso país, sendo que 67% do valor é do orçamento de saúde e educação; somos a sétima maior economia do mundo, mas ocupamos o 75ª lugar no ranking global do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano); a escala nacional de transparência é de 5,21 (de 0 a 10).

Esses dados alarmantes fizeram o brasileiro perceber que a corrupção é o seu maior problema, à frente de saúde, educação e segurança, conforme pesquisa do Datafolha. É pelo desvio de recursos que o Estado deixa de prover outros direitos.

A situação ganha contornos dramáticos quando se verifica que a probabilidade de ser punido por corrupção no Brasil é de 3,17%, segundo estudo realizado por Carlos Higino de Alencar e Ivo Gico Jr, e a população carcerária de corruptos é de 0,2%, conforme censo do Ministério da Justiça.

Esse círculo vicioso existe porque a corrupção é um crime de baixo risco e alto lucro. Os nossos sistemas normativo e de justiça, no plano estrutural, não têm mostrado uma mínima eficiência e, nesse ponto, sobressai-se um consenso: precisamos de reformas.

Foi nesse embalo que o Ministério Público Federal apresentou à sociedade as dez medidas contra a corrupção, com base na experiência adquirida nos grandes casos, como a Lava Jato, e em sintonia com as convenções internacionais e as reformas legislativas mundiais de efetivo impacto na prevenção e combate à corrupção.

Esse pacote foi entregue à sociedade, que o transformou em projeto de lei de iniciativa popular pela conquista de 2,2 milhões de assinaturas em apenas oito meses, um duplo recorde em quantidade de firmas e tempo de coleta.

Além dos cidadãos, mais de mil instituições públicas e privadas manifestaram expresso apoio ao projeto, como foi o caso da Transparência Internacional, organização mundialmente reconhecida pela atuação na área.

É com essa imensa carga de democracia participativa que o Congresso Nacional tem o desafio de apreciar o PL 4.850/2016, resgatando a esperança de um sistema mais eficiente, uma governança ética e uma cultura de maior intolerância com a confusão entre o público e o privado.

Críticas construtivas ao projeto são bem-vindas, divergências fundamentadas são da essência do debate democrático, mas os que são contra devem apresentar, pelo menos, um caminho melhor. A crítica vazia, sem alternativa, contribui muito pouco para a melhoria deste estado de coisas. Aliás, manter o status quo é altamente lucrativo para determinadas pessoas.

O projeto está em total sintonia com a Constituição, mas não faltam "inconstitucionalistas" para alegar vício. A inconstitucionalidade é uma verdadeira commodity no mercado jurídico e, é bom lembrar, muitos juristas de renome venderam inconstitucionalidades para a Lei da Ficha Limpa, também de iniciativa popular, tendo o STF declarado a sua completa constitucionalidade em fevereiro de 2012.

Vivemos um momento histórico no Brasil e uma oportunidade única de transformação positiva. A sociedade elegeu a luta contra a corrupção como sua prioridade e a inseriu em sua agenda. Não podemos mais perder uma geração para resolver um problema que nasceu com o descobrimento do país. É hora de mudar a direção de nossa história. Precisamos virar essa página.

RONALDO PINHEIRO DE QUEIROZ, doutor em direito pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é procurador da República. Integra o grupo de trabalho da Operação Lava Jato

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