Folha de S. Paulo


João Carlos Martins

O choro do neto

O técnico José Roberto Guimarães sempre significou para este "velho maestro" um exemplo de competência, humildade e dignidade. Poucas vezes me emocionei tanto como no dia em que o conheci pessoalmente.

Eu estudava uma partitura, minutos antes de o avião decolar, quando ele veio e sentou-se na cadeira ao lado. Durante a conversa, pediu-me que um dia conversasse com suas atletas sobre o significado da palavra superação.

Daí nasceu uma grande amizade. O encontro com as atletas, por motivo de agenda, nunca foi possível.

Conheço o marido, o pai, o avô e o amigo Zé Roberto, razão pela qual, ao ver seu neto Felipe chorando na derrota do Brasil para a China -e mais ainda, ao ouvir sua explicação para o menino, dizendo que na vida ganhar e perder fazem parte da trajetória de um ser humano-, lembrei-me da cena de uma criança chorando quando o Brasil perdeu a Copa de 1982, na Espanha.

Nestes últimos dez anos, já escrevi alguns artigos para "Tendências / Debates", alguns dos quais sobre esporte e não sobre minha profissão, que se transformou numa missão -a música.

Desta vez, aproveito para expressar um vazio que restou na alma dos brasileiros, provocado pelo fato de nunca termos visto Ayrton Senna e Nelson Piquet, os dois maiores pilotos de uma época, levantarem juntos a bandeira do Brasil.

Cito estes dois gênios do automobilismo para falar de dois dos maiores técnicos de vôlei que o mundo já viu: Zé Roberto e Bernardinho. Mais uma dupla brasileira genial, cujas lideranças são de estilos bem diferentes, mas que nos dignificam como brasileiros.

Conheci Bernardinho também num aeroporto. É um homem que extravasa a emoção de forma veemente, contagiando a todos de maneira arrebatadora.

Zé Roberto, embora de forma bem diversa, exerce igual poder sobre o público. Com seu jeito contido, transmite os mesmos sentimentos intensos com um simples olhar.

Ambos enfrentaram, assim como eu, vitórias e derrotas, emoções antagônicas que moldam o caráter de um homem, que deixam um legado de força e determinação para todo o país, não só para o neto.

Mostraram que um campeão não nasce apenas dos louros do vencedor mas sim de cada etapa trilhada, de cada batalha enfrentada e, principalmente, da determinação de seguir em frente, com a tenacidade e o orgulho do caminho percorrido.

Guardo em meu peito o sonho de ver, em Tóquio 2020, os meninos e as meninas do vôlei trazerem o ouro, ao lado desses dois técnicos fenomenais unidos em torno da nossa bandeira. Seria um belíssimo exemplo de que a superação é resultado da fé, do trabalho árduo e da persistência na busca de um objetivo.

Tudo isso porque adoro sonhar, principalmente quando sei que esse sonho pode se transformar em realidade.

Desde já, agradeço a Zé Roberto e a Bernardinho por serem guerreiros corajosos e jamais desistirem diante das adversidades. Eles sim são grandes homens que orgulham o povo brasileiro.

JOÃO CARLOS MARTINS é 76, maestro, é diretor artístico da Bachiana Filarmônica Sesi-SP (Serviço Social da Indústria de São Paulo)

PARTICIPAÇÃO

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