Folha de S. Paulo


editorial

Polarização americana

A três meses da eleição presidencial nos EUA, Hillary Clinton e Donald Trump, postulantes democrata e republicano, respectivamente, apresentaram os princípios de suas propostas na economia.

Se os discursos básicos acerca dos problemas nessa área têm certa similaridade, a terapia proposta por cada um dos candidatos difere quase diametralmente.

Ambos partem da constatação de que há uma desconexão entre a situação favorável dos segmentos mais ricos da população, que auferem parcelas crescentes da renda, e as dificuldades de uma classe média declinante e desolada.

Dissemina-se nos estratos menos favorecidos a percepção de que os empregos de qualidade migram para países emergentes e de que a globalização é nociva para a maioria. Como pano de fundo, a retomada econômica desde a crise de 2009 é a mais lenta da história, com insuficiente geração de postos de trabalho e estagnação salarial.

Como saída para a economia, Trump defende cortes expressivos nos impostos sobre a renda e a herança —o que favoreceria especialmente os mais ricos— e diminuição da tributação sobre os lucros das empresas (de 35% para 15%).

Além disso, o republicano rechaça a globalização e propõe a deportação de imigrantes ilegais (estimados em 11,3 milhões de pessoas, cerca de 5% da força de trabalho americana).

Hillary centra sua plataforma em alguma redução de impostos, mas sobretudo num programa de investimentos em infraestrutura, da ordem de US$ 275 bilhões. O financiamento viria do governo, que se endividaria mais, e de incentivos para a repatriação de lucros de empresas americanas no exterior, que seriam taxados (Trump também defende este ponto).

A democrata, em essência, apoia maior progressividade tributária —os mais ricos pagam mais— e preserva a receita do governo.

Para ela, o baixo crescimento decorre da falta de demanda; com juros próximos de zero, seria o momento de expandir dispêndios do governo. Para ele, trata-se de estimular a economia com cortes de impostos que custariam até US$ 9,5 trilhões em uma década.

As propostas de Hillary soam mais promissoras. Parcela crescente de analistas defende que o governo atue mais fortemente, já que consegue obter recursos quase sem custo e há sobra de mão de obra disposta a trabalhar.

Nada garante que cortes de impostos serão transformados em investimentos. O mais provável é que a plataforma de Trump acentue a tendência à concentração de renda e os problemas que têm alavancado sua popularidade —que se espera momentânea.

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