Folha de S. Paulo


Raul Cutait

Ivo Pitanguy, mestre na vida e na medicina

Ivo Pitanguy foi um indivíduo especial. Como médico, era celebrado no país e no exterior; como ser humano, transmitia nas relações pessoais não ser um professor da vida, mas um curioso que queria compartilhar suas experiências e aprender com seus interlocutores.

Boa praça, a todos deliciava com suas histórias pessoais e de médico. Ivo foi um pioneiro em sua área, a cirurgia plástica, e teve o privilégio de desenvolver uma importante escola, com gente de todos os cantos procurando aprender o ofício com ele. Nas salas de cirurgia, ensinava-os a operar; nos corredores e quartos, mostrava como se relacionar com os pacientes. Sempre com seu exemplo de educação, imbatível charme e vasta cultura.

Ivo teve oportunidades na vida? Obviamente que sim, mas ele também criou, com foco e determinação, aquelas que fizeram dele uma referência. O interesse pelas cirurgias reparadoras levou-o a ampliar, no exterior, sua formação nessa área; daí naturalmente envolveu-se com a cirurgia estética, numa época em que a plástica engatinhava em todo o mundo.

O espírito acadêmico levou-o a desenvolver técnicas próprias e uma importante escola de pós-graduação na Santa Casa do Rio. Logo tornou-se referência nacional e internacional, esta última facilitada por sua cultura e proficiência em outros idiomas, o que lhe permitia atender, lecionar e publicar artigos científicos numa época em que conhecer bem apenas o vernáculo já era um diferencial.

Creio que o alcance de um mestre se mede pelo número e diversidade de seus discípulos. Eu, que não sou cirurgião plástico, recebi vários pedidos de estrangeiros, de países distintos, para que intercedesse por eles no processo de seleção de seu muito procurado curso.

Nos ambientes profissionais não é incomum a inveja; o meio médico não é diferente. Pois bem, isso Ivo tirou de letra, pois a maioria dos cirurgiões plásticos tinha admiração por ele e, inclusive, demonstrava gratidão pela trilha que havia aberto.

Seu sucesso era exemplo, qualquer que fosse o indicador: profissional, intelectual, familiar, financeiro. Ivo teve-os todos.

O segredo? Conseguiu conciliar competência, conhecimento, dedicação a seus pacientes e disponibilidade para suas outras atividades na vida. Lembro-me de uma memorável sessão em Paris, em 2005, na comemoração do ano Brasil-França, que envolveu as academias nacionais de medicina dos dois países.

Naquela manhã, três palestras foram realizadas -a dele, a de Paulo Niemeyer Filho e a minha. Cada um de nós discorreu sobre tema de sua própria especialidade. Ao término da rodada científica, ele comentou comigo: "Raul, estou sempre com minhas aulas à mão; convidou, eu vou!". E vejam que ele já havia passado dos 80 anos na ocasião.

Com essas linhas homenageio o cirurgião que, por meio de sua intensa atividade cirúrgica, de ensino e de investigação clínica, conseguiu, como poucos, dignificar a medicina brasileira. Querido Ivo, a eternidade é sua!

RAUL CUTAIT, 65, professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP, é membro da Academia Nacional de Medicina

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