Folha de S. Paulo


João Carlos Siqueira Natalini

A verdade sobre a morte de minha filha

Lembro-me de que eram exatamente 20h, 16 de setembro de 2015, quando atendi ao telefone. Um dos diretores da escola Waldorf Rudolf Steiner me ligava. Como tinha um jantar, perguntei se podia retornar mais tarde. Ele disse que não. "É a respeito da sua filha. Ela sumiu."

Como assim, sumiu? Ele contou que ela estava com um grupo, separou-se e desapareceu. Isso foi às 14h30 daquele mesmo dia. "Mas por que não me avisaram antes?" Aos 17 anos, a Victória era tímida e até inocente. Não tinha namorados nem muita experiência. Era alegre, gostava de artes, com predileção por rock.

O Queen ia tocar em São Paulo naquele dia, mas, como ela estava numa fazenda em Itatiba [a 85 km de São Paulo], numa atividade curricular que valia nota, compramos ingresso para o show em Porto Alegre, na semana seguinte. Eu iria ficar noivo e daria a notícia à Victória nesse show.

Na fazenda, a atividade consistia num trabalho prático de topografia: medir e mapear o terreno com equipamentos e calcular a área.

Foram 34 alunos a campo, que trabalhavam em grupos de três. O dela tinha um menino e uma menina. Os grupos ficavam espaçados, sem supervisão. Não existia a mínima segurança no local. Havia várias casas de colonos, funcionários da fazenda, trabalhadores que restauravam uma igreja. Da escola, eram três topógrafos, um professor de matemática e a tutora.

A Victória já estava lá havia cinco dias, é difícil imaginar que tenha se perdido. O grupo só avisou a falta dela à tutora às 16h30. Procuraram, fizeram busca e nada. Quase às 18h, um dos topógrafos encontrou o boné de minha filha colocado sobre uma pedra. Ela não o abandonaria, pois tinha valor sentimental.

Cheguei à fazenda por volta das 23h. Foi uma noite horrorosa. Havia homens da Defesa Civil, das polícias Civil e Militar e um cão farejador. Passei a noite inteira em pé, esperando algum sinal de vida.

De manhã, o helicóptero encontrou o corpo num local bastante afastado da casa da fazenda. Fui o primeiro a ser avisado, choque imenso.

Havia escoriações nos cotovelos, num dos joelhos e no queixo. O laudo da polícia, inconclusivo, sugeriu morte natural, sem mencionar que doença teria acometido uma garota saudável de 17 anos. Ela fazia academia três vezes por semana, nadava, tinha alimentação regular e não era alérgica. Não consumira álcool, drogas nem sofrera agressão sexual.

Enterrei minha filha sem saber do que ela morrera. Mergulhei em depressão profunda. Durante todos esses meses só pensava em esclarecer essa história.

Busquei uma investigação paralela. Cheguei ao perito criminal Osvaldo Negrini Neto, ex-diretor do Instituto de Criminalística. Ele analisou o material, disse que parecia crime e me abriu o caminho até ao também legista Badan Palhares. Com o trabalho deles, tivemos como argumentar com a Secretaria de Segurança Pública e conseguimos trazer o inquérito para São Paulo.

Um novo laudo, desta vez do Instituto Médico Legal de São Paulo, atestou que a morte foi provocada por asfixia mecânica, contestando a conclusão do parecer inicial.

Houve a interrupção das vias aéreas, boca e nariz. Havia marcas no rosto. Segundo os peritos, ela deve ter sido morta em local fechado. Tudo indica que o assassinato ocorreu num local e o corpo foi encontrado em outro.

A escola só ofereceu homenagens vazias, como "Vamos nos vestir de branco". Eu a proibi de usar a imagem e o nome da minha filha. Se for assim, que seja para dizer a verdade: foi homicídio.

Existem elementos suficientes para indiciar a escola e a tutora, pois possuíam ciência do risco. Está na hora de a escola responder pela responsabilidade que lhe cabe.

Os detalhes sobre o caso podem ser acompanhados em campanha que lançamos no Facebook. Acesse pela página Victória Natalini Justiça.

JOÃO CARLOS SIQUEIRA NATALINI, 51, é engenheiro mecânico, pós-graduado em marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP)

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br.


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