Folha de S. Paulo


André Portela

Programa de renda básica universal seria vantajoso para o Brasil? NÃO

MELHOR APERFEIÇOAR O QUE JÁ TEMOS

Entendo os programas de renda mínima como políticas públicas de transferência de renda voltadas para a redução da desigualdade e pobreza. Essas políticas se justificam em si pela existência de algum grau de solidariedade entre os cidadãos.

Primeiro, elas mitigam situações imediatas de carência extrema de renda. Segundo, modificam, em alguma medida, a estrutura de recompensas de frutos gerados pela sociedade em favor dos mais pobres, garantindo um nível mínimo de renda a ser obtido. Terceiro, ajudam a reduzir as desigualdades de oportunidades das futuras gerações.

Programas de transferência de renda nada mais são do que tributar relativamente mais uns e devolver relativamente mais para outros. Não faz sentido tributar e transferir os mesmos montantes para as mesmas pessoas. O que importa ao final é o nível de renda líquida disponível das famílias.

Para isso, o bom desenho desses programas é fundamental para o êxito. A maneira de implementá-los, levando em conta o contexto em que se inserem, condiciona o sucesso ou não de uma política redistributiva. Nesse sentido, não vejo vantagens em estabelecermos um programa de renda mínima universal no Brasil. Antes de tudo, por uma questão de mérito.

Garantir uma transferência de renda mínima a todo indivíduo residente no país, independentemente de sua situação socioeconômica, não me parece fazer sentido para combater a pobreza e reduzir as desigualdades de oportunidades. Seria justificável, em nosso contexto de grande desigualdade, que a filha de uma pessoa rica e a filha de uma pessoa pobre recebessem a mesma transferência?

Ademais, não vejo vantagens por questões de eficiência. Primeiro, a renda básica universal exigiria estabelecer um sistema de financiamento por meio de impostos.

Ou seja, aumentar uma carga tributária já bastante alta. Como temos um sistema tributário complexo, com muitos tributos indiretos, corre-se o risco de que os mais pobres não recebam liquidamente as transferências prometidas. Não seria mais fácil pensarmos em mudanças tributárias mais alinhadas com políticas redistributivas?

Segundo, pode-se justificar políticas de transferências universais em situações nas quais a seleção de beneficiários e o monitoramento sejam muito custosos. Esse não é, todavia, o nosso caso. Já temos um bom sistema de focalização nos mais pobres -o Bolsa Família e seu cadastro único. Para melhor combater a pobreza, creio ser mais eficiente aperfeiçoá-lo, reduzir vazamentos e distorções e pensar em mudanças no sistema de incentivos.

Terceiro, e mais importante, já temos um sistema de proteção social bastante desenvolvido e complexo. Criamos ao longo do tempo, talvez não intencionalmente, um sistema amplo e generoso que inclui os mais variados programas de proteção social ao trabalhador, ao idoso, aos pobres, às crianças etc.

Criar uma renda mínima universal é colocar mais um programa em meio a vários existentes. Além de provocar sobreposições, desvirtuaria a direção que a nova política social deveria seguir.

A melhor opção para nosso contexto é aprimorar os programas existentes, buscar maior consistência e integração entre todos eles, de modo a melhor garantir o cumprimento das promessas de nosso sistema de proteção social.

ANDRÉ PORTELA, 50, doutor em economia pela Cornell University (EUA), é professor de microeconomia do desenvolvimento e microeconometria na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

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