Folha de S. Paulo


MARCIO KOGAN

Transformar Minhocão em parque permanente é a melhor opção para São Paulo? SIM

RADICAL, ESPONTÂNEO E SEM FRESCURA

Símbolo dos desastres das políticas públicas de São Paulo ao longo do século 20, o elevado Presidente Costa e Silva, mais conhecido como Minhocão, pode agora, concretamente, inspirar outra imagem: a de uma cidade diferente, pensada para as pessoas, não para os carros.

Quando visitei o apartamento de um amigo, entendi a agressão aos moradores do entorno. Ele explicou que costuma ver TV no índice 90 do som, numa escala que vai até 100. Quando o elevado está fechado, baixa para 30. Isso já diz tudo!

Plano Diretor aprovado em 2014 determinou um prazo de 15 anos para desativação total do elevado. As discussões sobre o futuro se polarizaram hoje entre o uso da estrutura como um parque ou seu desmonte.

O senso comum que flertava com a manutenção do transporte privado por lá parece finalmente implodido. Não há outra alternativa senão investimentos em transporte público.

As políticas de substituição do carro não devem começar em um futuro abstrato e longínquo, quando o metrô atingir certa extensão -ou seja, a julgar pelo ritmo atual, nunca! Essas políticas devem existir desde já.

Portanto, o Minhocão, como é hoje, deve, a curto prazo, deixar de existir. A questão que resta: parque ou desmontar o elevado?

São Paulo tem um número irrisório de áreas públicas de lazer por pessoa: apenas 3 m² (Londres tem 18,1 m² e Curitiba, 13,6 m²).

Parques melhoram a qualidade ambiental, oferecem lazer, melhoram a saúde física e mental dos habitantes. São Paulo precisa urgentemente aumentar o número de parques e, para isso, não podemos desperdiçar oportunidades.

O Minhocão é uma dessas raras possibilidades. O solo urbano foi verticalizado por uma via expressa. Por que não sediar lá um parque elevado permanente, a exemplo do que já acontece aos finais de semana?

O desmonte, por outro lado, traria gigantescos impactos durante anos, com tratores e guindastes gerando ruídos, entulhos e poeira.

Sobre o asfalto, a adequação do parque pode ser apenas funcional, sem criar um paisagismo fofo e de manutenção cara. Um parque radical, vivo, espontâneo e agressivo, como São Paulo, sem ornamentos e frescura. Um verdadeiro parque paulistano!

Interessante notar o exemplo similar do abandonado aeroporto Tempelhof, em Berlim, também sob polêmicas, transformado num parque sensacional que teve um processo de ocupação e apropriação.

O problema mais sério está nas imediações do elevado. Tanto em caso de parque quanto de desmonte, pode-se desencadear uma valorização imobiliária do entorno e a expulsão de classes mais pobres, como aconteceu de forma radical na região do parque High Line em Nova York, uma doença sistêmica de grandes
projetos urbanos.

Políticas que combatam isso não são apenas possíveis, mas necessárias, por meio de mecanismos de controle do valor de terra e construção de habitações disponibilizadas por aluguel social.

Dessa forma, o Parque Minhocão, mesmo caótico e selvagem como São Paulo, pode nos oferecer um novo paradigma para os projetos da cidade. Uma cidade justa, com menos carros e para todos.

Estamos falando da destruição de um símbolo e da construção de outro, que, por um acaso, já está lá, quase pronto. Basta dar um passeio no final de semana para se ter uma aula de urbanismo: a incrível ocupação espontânea do lugar. E sem fru-fru!

MARCIO KOGAN, 64, é arquiteto, urbanista e cineasta. É fundador do escritório de arquitetura StudioMK27

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