Folha de S. Paulo


Danielle Tsuchida

Ítalo, uma tragédia anunciada

Na história de Ítalo, menino de 10 anos morto pela Polícia Militar, fica nítida uma tragédia anunciada pelo esgarçamento da rede de proteção desta criança.

O artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é enfático ao preconizar as responsabilidades sobre a criança e o adolescente no que diz respeito a assegurar seus direitos, tendo a família, a comunidade, a sociedade e o Estado para tal.

Começando pela família, temos que os pais do menino morto também têm condenações judiciais. O garoto nunca teve uma casa fixa, chegando a morar embaixo de pontes e viadutos, em abrigos, em casas de parentes e até mesmo em veículos abandonados.

De acordo com os noticiários, ele tinha voltado, nos últimos meses, para junto da mãe, num barraco na favela do Piolho, no Campo Belo, zona sul de São Paulo. Mesmo assim, ainda passava dias vivendo na rua.

O garoto também era conhecido pelos seguranças dos supermercados da região, onde costumava ir para furtar brinquedos, chinelos, roupas e para pedir lanches aos frequentadores do restaurante que funciona no térreo.

Ao olharmos para o Estado, vemos que estudava no segundo ano do ensino fundamental na Escola Estadual Mario de Andrade, no Brooklin, cuja frequência e aproveitamento são desconhecidas, mas imaginadas, dada as condições do garoto.

O fato de ter outras notificações de ato infracional deixa o questionamento da eficiência da rede de serviços e do trabalho efetivo do Conselho Tutelar, responsável pelo acompanhamento nestes casos de crianças com menos de 12 anos.

O desfecho não poderia ser pior, um agente do Estado ceifando essa vida. O que nos faz entender a dimensão trágica a que chegamos por termos a morte como atestado da nossa incompetência como sociedade, por não considerar o processo peculiar de desenvolvimento desta criança.

A questão aqui não é culpabilizar a família, mas refletir que condições este menino tinha para agir de outra forma e como o Estado cumpre seu papel de proteção e garantia de direitos quando a família falta.

Fica evidente a falência da sociedade, seu atestado de incapacidade inclusiva e solidária. É fato que a sociedade é conservadora e aceita a pena de morte instituída nas periferias há anos, tanto que deseja a redução da maioridade penal para 16 anos. E o risco, em breve, será desejar que diminua ainda mais.

Enfatizamos que a redução não é a solução. Somente com o investimento nas políticas preventivas e com a problematização para uma sociedade menos desigual poderemos ter êxito.

É preciso apurar as responsabilidades sobre a ação da polícia que deveria ser preparada para intervir em situações extremas e ainda assim preservar vidas.

Independentemente de qualquer coisa, é uma tragédia que deve colocar a sociedade em discussão sobre qual futuro de fato queremos para nossas crianças e adolescentes.

Precisamos olhar para o menino sobrevivente para que não se repita a história dos muitos Ítalos que temos pelo Brasil afora.

DANIELLE TSUCHIDA, 37, é coordenadora do Instituto Sou da Paz

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