Folha de S. Paulo


editorial

Superbactérias

Há décadas infectologistas alertam para o risco representado pelas bactérias resistentes a antibióticos. Algumas delas já são problema grave em UTIs do mundo inteiro.

A OMS estima que os supermicróbios (vírus, fungos e protozoários também desenvolvem imunidade) respondam por vários milhões de mortes anuais. E o viés é de alta.

Para piorar o problema, cientistas norte-americanos acabam de identificar um caso de E. coli insuscetível à colistina numa mulher que padecia de infecção urinária.

Não se trata de apenas mais um caso ordinário. Os pesquisadores constataram que o gene que confere resistência à colistina (antibiótico conhecido como polimixina E) não estava localizado no DNA cromossômico, como de costume, mas num plasmídeo —pequena molécula circular de DNA que fica largada no interior da célula.

Pode parecer mero detalhe técnico, mas faz toda a diferença. Plasmídeos se reproduzem independentemente do DNA cromossômico —e bactérias trocam plasmídeos umas com as outras.

Isso faz com que seja questão de tempo até que o gene da resistência se dissemine pelas populações de bactérias.

A colistina já é uma espécie de droga de último recurso. Embora tenha sido desenvolvida em 1949, ficou muito tempo sem ser utilizada por humanos, pois afetam os rins. À medida, porém, que as bactérias foram aprendendo a evitar antibióticos mais comuns, ela voltou a ser usada em casos especiais.

Como esse remédio nunca deixou de ser empregado na veterinária, o mais provável é que o gene da resistência tenha se desenvolvido entre animais e, depois, atravessou a barreira das espécies.

As medidas para tentar conter a proliferação de superbactérias são conhecidas, mas nem por isso de fácil implementação. A mais óbvia é a utilização judiciosa de antibióticos, evitando principalmente seu uso para finalidades não médicas, como acelerar o crescimento dos rebanhos animais.

O ideal seria aprovar tratados internacionais a fim de disciplinar o uso desses fármacos e reservar alguns para situações extremas, segundo protocolos bem definidos.

Governos também deveriam investir mais na pesquisa de novas classes de antibióticos —as indústrias privadas se desinteressaram desse filão que, embora vital, não proporciona grandes lucros.

O lamentável, porém, é que essas medidas dificilmente avançarão sem que recebam o nefasto impulso de uma grande crise sanitária.

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