Folha de S. Paulo


Miguel Nagib

Quem tem medo do Escola sem Partido?

Como coordenador do Movimento Escola sem Partido, gostaria de tecer alguns comentários sobre o editorial da Folha "Na base da ideologia, que tratou do nosso anteprojeto de lei contra o abuso da liberdade de ensinar.

O editorial admite o fato notório da "predominância entre educadores de uma cultura esquerdista que os leva a confundir seu papel em sala de aula com o de doutrinadores"; mas afirma que as leis inspiradas no nosso anteprojeto  entre elas a Lei Escola Livre, recentemente aprovada em Alagoas  "não só não resolvem o problema como suscitam suspeita quanto a seu caráter autoritário".

Cabe reconhecer inicialmente a procedência da crítica dirigida à norma da lei alagoana que estipula como dever do professor "abster-se de introduzir (...) conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis".

Essa redação, com efeito, poderia impedir a abordagem de conteúdos científicos ou factuais em sala de aula, o que seria, além de indefensável do ponto de vista educacional, incompatível com a Constituição.

Bem por isso, já havíamos suprimido tal artigo do nosso anteprojeto. Infelizmente, contudo, por inadvertência, ele acabou sendo incluído no PL afinal aprovado em Alagoas. Estamos agora sugerindo a imediata revogação do dispositivo.

No mais, a proposta do Escola sem Partido, ao contrário do que afirma o editorial, nada tem de autoritária ou paternalista. O que defendemos é apenas isto: a afixação nas salas de aula do ensino fundamental e médio de um cartaz com os seguintes Deveres do Professor: não se aproveitar da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias; não favorecer nem prejudicar os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas; não fazer propaganda político-partidária em sala de aula nem incitar seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas; ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, apresentar aos alunos, de forma justa - isto é, com a mesma profundidade e seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria; respeitar o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções; e não permitir que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.

Negar a existência desses deveres é negar a liberdade de consciência e de crença dos estudantes; é negar os princípios constitucionais do pluralismo e da neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; é negar o direito dos pais sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos (direito garantido pelo artigo 12 do Pacto de São José da Costa Rica); é confundir, finalmente, liberdade de cátedra com liberdade de expressão.

Ora, se aqueles deveres existem  e eu desafio qualquer um a provar o contrário , os estudantes têm direito de saber. E, sendo eles a parte mais fraca na relação de aprendizado, cabe ao Estado informá-los e educá-los quanto ao direito de não serem doutrinados e manipulados por seus professores militantes.

Isso não é paternalismo; é questão de estrita cidadania.

MIGUEL NAGIB, advogado, procurador do Estado de São Paulo, é fundador e coordenador do Movimento Escola sem Partido

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br.


Endereço da página:

Links no texto: