Folha de S. Paulo


editorial

Vírus do alarmismo

Produziu mais estrondo que luz a carta aberta em que 150 pesquisadores clamam pelo adiamento (ou transferência) dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro enquanto a zika não estiver controlada no Brasil.

Não se questiona a reputação de quem assina o apelo; vários deles são especialistas em campos como a bioética. Mas suscita dúvidas, para não dizer espanto, vê-los lançar o germe do alarmismo sem corroborá-lo com análise de risco mais robusta.

O grupo foi logo refutado por especialistas ocupados diuturnamente com a prevenção de surtos e epidemias mundo afora. A Organização Mundial da Saúde, além dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) e de seu congênere europeu (ECDC), afirma que não há razão de saúde pública para sustar a Olimpíada.

Ao rebater a carta, essas organizações o fazem com dados e argumentos. Se é fato que o Brasil passa por grave crise econômica e que a administração e a saúde fluminenses estão à beira de falir, como destaca o alerta, não menos verdade é que os Jogos se realizarão no inverno, quando cai muito o número de mosquitos e de novas infecções pelo vírus.

O apelo fala em 500 mil visitantes atraídos pela competição, que poderiam voltar infectados para casa. Omite, porém, que seus deslocamentos constituiriam parcela ínfima das viagens entre regiões afetadas pelo zika: menos de 0,25%, calcularam os CDC. Mesmo sem a Olimpíada, permaneceriam inalterados 99,75% do risco de disseminação do vírus a outros países.

O zika se transmite pelo mesmo vetor da dengue, o mosquito Aedes aegypti. Em 2014, ano da Copa do Mundo, um estudo da USP previra a notificação de 3 a 59 casos de infecção entre esperados 600 mil turistas; depois, verificou-se que foram três. Não há motivo para que a zika divirja desse padrão.

O Brasil é só uma das 60 nações com transmissão ativa de zika, 39 delas nas Américas —incluindo Porto Rico, território dos EUA. Decerto nosso governo precisaria ser mais eficiente no controle do A. aegypti, mas cabe ressalvar que o inseto se tornou cosmopolita e desafia autoridades em diversos países, mesmo na União Europeia.

Adiar ou transferir os Jogos Olímpicos do Rio seria um recurso extremo e, por ora, desproporcional. Tudo que se conhece sobre a zika indica que bastam as recomendações da OMS, tais como usar mangas compridas e repelentes, sem necessidade de insuflar alarmismo.

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