Folha de S. Paulo


editorial

Licença para atropelar

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ao aprovar a proposta de emenda à Constituição nº 65, acendeu todos os alertas no setor ambientalista, aí incluídos promotores e procuradores que zelam pelo ambiente.

Pela proposta, a mera apresentação do estudo prévio de impacto ambiental (EIA-Rima) importaria autorização plena para a execução das obras, que não poderiam mais ser suspensas nem canceladas. Se aprovado no plenário do Senado, o texto segue para a Câmara.

Os críticos da PEC 65 dizem que, na prática, ela mutilaria o processo de licenciamento em vigor. Hoje cada empreendedor precisa obter três licenças (prévia, de instalação e de operação), trâmite que costuma durar de um a dois anos, mas pode também se arrastar por cinco.

Não há quase ninguém satisfeito com o rito atual. O empresariado o considera burocrático, demorado e fonte de insegurança jurídica.

Já ambientalistas reclamam que seu cumprimento apenas formal e sujeito a injunções políticas não contribui para prevenir impactos e desastres como o de Mariana (MG).

As precondições impostas pelo Ibama e descumpridas pela empresa Norte Energia tampouco foram empecilho para a concessionária obter a licença de operação de Belo Monte e pôr a usina a funcionar.

Aperfeiçoar o licenciamento não deveria implicar seu atropelamento, mas o espírito da PEC 65 e de projetos de lei na Câmara e no Senado parece ser o de torná-lo inócuo.

Para tanto, busca-se eliminar o controle do Ibama, do Ministério Público e da Justiça sobre o cumprimento do que prevê o EIA-Rima. Ou, então, entregá-lo a instâncias estaduais e municipais, mais vulneráveis a interesses nada republicanos de empreiteiras e políticos.

Não faltam vozes no meio jurídico a dizer que a PEC 65, se aprovada, cairá no Supremo Tribunal Federal. Ela afrontaria dispositivos constitucionais, como o inciso XXXV do art. 5º, segundo o qual a lei não excluirá de apreciação judicial ameaça a direitos –no caso, "ao meio ambiente ecologicamente equilibrado" (art. 225).

Se se chegar a isso, haverá perda de tempo precioso para o que importa: tornar efetivo o licenciamento. Tal objetivo só será alcançado com uma regulamentação mais objetiva e exigente tanto para os EIA-Rimas como para os projetos executivos das grandes obras, de modo a impedir sucessivos questionamentos e modificações que hoje as delongam e encarecem.

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