Folha de S. Paulo


ERICK VENANCIO LIMA DO NASCIMENTO

Renúncia fiscal concedida à Fifa na Copa de 2014 é crime de responsabilidade? SIM

ATENTADO CONTRA A CONSTITUIÇÃO

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) lista entre os crimes de responsabilidade que justificam o impeachment da presidente da República o uso do cargo para dar a um aliado político prerrogativas especiais de ministro de Estado, a tentativa de interferir no Poder Judiciário e a concessão de renúncia fiscal para a Fifa em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

São três novos itens no debate sobre a cassação de mandato que não constam do processo em curso no Senado. Os dois primeiros pontos são de mais simples compreensão, porque evidenciam o aparelhamento do Estado contra o interesse público.

O terceiro demanda mais conhecimento técnico e, por esse motivo, tem sido alvo de agentes políticos que tentam deturpar a análise jurídica feita pelos integrantes das OABs estaduais e do Conselho Federal da entidade, legitimados pelo voto direto de todos os advogados do país.

É pública a denúncia entregue pela OAB à Câmara dos Deputados. O documento não afirma, de modo algum, que a renúncia fiscal seja procedimento ilegal. A ilegalidade apontada está no descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal ao conceder as vantagens para a Fifa.

A LRF é um valioso instrumento normativo criado para, justamente, evitar que benefícios fiscais sejam permitidos de acordo com critérios particulares dos governantes, em detrimento do interesse social. A Constituição Federal é clara ao enunciar, no artigo 85, que o presidente da República pratica crime de responsabilidade ao atentar contra a lei orçamentária. A punição para esse crime é o impeachment.

Com a LRF, qualquer renúncia fiscal só pode ser concedida se for acompanhada de estimativa do impacto que terá no Orçamento, se atender ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias e se houver demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e não afetará as metas fiscais.

Sem essa demonstração, o governo deve exigir medidas compensatórias, como aumento de receita, elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributos.

Os incentivos à Fifa foram aprovados no governo Lula, mas coube à gestão de Dilma Rousseff implementá-los. A presidente deixou de fora das estimativas de receita encaminhadas ao Congresso qualquer consideração sobre a renúncia em favor da Fifa.

Não há demonstração de que essa medida não tenha afetado as metas fiscais previstas nas leis de diretrizes orçamentárias (LDOs) de 2011 e 2012 (os dois exercícios seguintes à aprovação do benefício fiscal, como exigido pela LRF). Não há também qualquer compensação associada à vantagem fiscal em questão. O plenário do Tribunal de Contas da União, provocado pela OAB, já
reconheceu, no acórdão 529/2015, a irregularidade da operação.

As leis de diretrizes orçamentárias de 2011 e 2012 continham dispositivos para compatibilizá-las com a LRF, mas eles foram vetados pela presidente Dilma. A Nota Técnica 3/2011, elaborada em conjunto pelas consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, chama a atenção para a ilegalidade do veto à lei de 2011.

Fica evidente que Dilma, a quem cabia a iniciativa da Lei de Diretrizes Orçamentárias, segundo estabelece o artigo 84 da Constituição Federal, possibilitou a concessão das renúncias fiscais em desacordo com a lei, sem incluir estimativa do impacto orçamentário, sem considerar as desonerações na receita e sem, tampouco, indicar medidas compensatórias à perda de rendimentos.

Houve, portanto, ofensa ao dispositivo constitucional. Por essa razão, justifica-se o processo de impeachment também devido às renúncias fiscais para a Fifa.

ERICK VENANCIO LIMA DO NASCIMENTO, 37, conselheiro federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pelo Acre, foi autor do relatório que recomendou o apoio da ordem ao impeachment

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br.


Endereço da página:

Links no texto: