Folha de S. Paulo


MARINA TOTH

O dia seguinte de Dilma

Temos hoje no Brasil uma situação política rara em qualquer República: um presidente provisoriamente afastado de suas funções por até 180 dias. Nesse período, Dilma Rousseff poderá ser reconduzida à Presidência ou perder de vez o cargo.

Na prática, o que muda com a suspensão da presidente?

Dilma continuará a residir no Palácio da Alvorada e terá direito a uma equipe de assessores e seguranças, além de avião oficial, pois afastamento não é o mesmo que perda de cargo. E sim, isso está correto, é bastante republicano que se mantenha inalterada a rotina de quem se defende de impeachment.

Apesar de continuar no Alvorada, Dilma perderá todos os poderes de presidente, inclusive os de despachar, assinar decretos, nomear/exonerar ministros. Também não poderá mais, na condição de presidente, representar o país em evento oficial.

É esperado que Dilma, cada dia mais isolada mesmo entre os governistas, tente arquitetar com os aliados que lhe restarem uma frente de resistência. Essa construção político-social é positiva para as instituições, sendo desejável que Dilma, além de apresentar efetiva defesa jurídica, movimente o plano político em busca de recondução às suas funções, por mais improvável que isso nos pareça. Essa mobilização contribui para o jogo democrático.

Não poderá, contudo, a presidente afastada valer-se de sua condição para achincalhar e difamar instituições em pleno funcionamento. Atravessamos grave crise político-econômica e ética, mas não institucional.

Por mais turvas que estejam as águas, é no mínimo leviano, para não dizer criminoso, que alguém da estatura de um chefe de Estado brade aos quatro cantos que existe um golpe em marcha no país.

Eventuais investigações que vierem a ser iniciadas contra a presidente nos próximos 180 dias serão ainda de competência do STF (Supremo Tribunal Federal). Dilma só perderá o foro privilegiado com a destituição definitiva do cargo, mas não poderá mais ser defendida pela Advocacia Geral da União.

Como não houve vácuo de poder institucional, Michel Temer pôde assumir plena e legalmente a Presidência, com todos os direitos e deveres inerentes à função, inclusive prerrogativa de nomear e exonerar ministros de Estado. A expectativa é que o presidente interino tenha uma folgada maioria no Congresso.

Apesar disso, precisará ser hábil para aproveitar a lua de mel parlamentar e estabilizar a economia. Fará o que sempre fez de melhor, um governo de conciliação, ajeitando interesses, acomodando agendas.

Quem sabe, se realmente não for candidato em 2018, como tem dito, tome meia dúzia de medidas impopulares, mas necessárias, para iniciar imprescindíveis reformas. Talvez até ouse fazer um bom governo. Isso caso não sofra, ele mesmo, cassação ou processo de impeachment.

Tudo nesse capítulo é novo, página em branco. Muitos serão os recursos, as consultas e a gritaria aos presidentes do Senado e do STF. Diante desse imbróglio político, já será um enorme ganho se restar para nós, enquanto nação, o modestíssimo desejo de sermos melhores que nossos governantes.

MARINA TOTH, 31, advogada criminalista sócia do escritório Toth Advogados Associados, é mestre em processo penal pela University of Michigan Law School (EUA)

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