Folha de S. Paulo


Abram Szajman

Reconstrução da governança

Após um angustiante período de dúvidas, de turbulência institucional e paralisia governamental, a instauração do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e sua substituição pelo vice-presidente Michel Temer renovam a esperança de que, finalmente, uma agenda de modernização seja adotada para recolocar o Brasil na trajetória de um crescimento sócio e ambientalmente sustentado.

A crise econômica que vivemos é sem precedentes. O Produto Interno Bruto (PIB) deve recuar 4% em 2016, após ter registrado queda de 3,8% no ano passado. Será a primeira vez, desde a década de 1930, que a economia brasileira registra retração por dois anos consecutivos.

A renda per capita cai pelo terceiro ano seguido, assim como as vendas do varejo paulista, que recuaram 3% em 2014, 6% em 2015 e devem cair 5% neste ano, segundo dados e projeções da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo). A taxa de desemprego chegou aos 11%. Mais de 100 mil vagas formais são eliminadas por mês.

Apesar da depressão da atividade econômica, a inflação segue elevada, os juros estão altos e os bancos não mostram disposição de emprestar. As empresas adiam ou cortam investimentos, enquanto as famílias, com o orçamento cada vez mais apertado, reduzem gastos.

As características da recessão atual diferem, entretanto, daquelas que se dão dentro dos ciclos econômicos, como consequência de períodos de euforia ou reflexo de choques externos. Antes de tudo, a crise brasileira é de confiança e resulta de problemas estruturais, agravados por intervenções governamentais equivocadas.

Reverter esse cenário exigirá liderança, agilidade e colaboração entre os poderes Executivo e Legislativo. Será preciso botar a casa em ordem para incentivar os investimentos que podem dar início a um novo ciclo de crescimento virtuoso.

É urgente enfrentar o problema das despesas crescentes da Previdência, modernizar as leis trabalhistas para estimular a geração de empregos e abrir a economia, de modo a garantir concorrência no mercado interno. A indexação das despesas públicas, a rigidez do orçamento e as políticas de subsídio do BNDES precisam ser revistas.

Trata-se de uma extensa pauta de reformas, que precisará de amplo apoio do Congresso para avançar. Para além dos objetivos políticos de curto prazo e da pressão dos interesses corporativistas, a FecomercioSP defende as seguintes medidas para reconstruir a governança:

a) Restabelecimento do tripé macroeconômico (metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal);

b) Desvinculação orçamentária e redução do número de ministérios;

c) Estabelecimento de teto para o crescimento dos gastos públicos, sem aumento de impostos;

d) Reforma da Previdência, com estabelecimento de idade mínima para aposentadoria;

e) Desindexação de despesas e revisão da regra de reajuste do salário mínimo;

f) Reforma trabalhista, com regulamentação da terceirização e autonomia na negociação entre empresas e empregados;

g) Reforma Tributária, para simplificar o sistema e acabar com a guerra fiscal entre os Estados;

h) Desburocratização e incentivo à negociação e conciliação;

i) Maior abertura comercial e adoção de regras claras e estáveis em concessões, para atrair investimento privado em infraestrutura.

Nada disso será duradouro, porém, sem uma reforma política que reforce os princípios de representatividade e da soberania popular, garantindo, ao mesmo tempo, estabilidade das instituições democráticas. Reduzir os custos das eleições e adotar cláusulas de barreira para os partidos serão passos importantes nessa direção.

ABRAM SZAJMAN, 76, é presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), entidade que gere o Sesc e o Senac no Estado

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