Folha de S. Paulo


MOREIRA FRANCO

Pedalada é o verdadeiro golpe

É um enorme avanço institucional a nação erguer a voz contra um governo que lhe impõe inflação, desemprego e falência generalizada dos serviços públicos.

Há uma razão objetiva sob o sentimento popular: o crime de responsabilidade cometido pela presidente da República. Essa é a razão fundamental, o pecado capital e o ovo da serpente.

Sim, ela o cometeu. O fez quando mandou os bancos públicos pagarem despesas do governo. Eis o ponto. Pois é algo proibido por lei.

Em todos os foros a que comparecem, sejam jurídicos, políticos ou midiáticos, a presidente Dilma Rousseff e seus defensores alegam que não é nada demais. Trata-se, segundo esse tipo de discurso, de algo menor, que não poderia ser cogitado como razão para se cassar um mandato, já que todos os presidentes anteriores também praticaram tal ato.

O argumento não é verdadeiro. Primeiro, no que tange ao volume. Até o fim do segundo mandato de Lula, o dinheiro dos bancos públicos usado para pagar despesas do governo mantinha-se próximo a 0,2% do PIB. A partir do primeiro governo Dilma, porém, a prática cresceu mês a mês até alcançar 1% do PIB em dezembro de 2015 -são dados oficiais, do Banco Central.

Segundo, no que tange à forma. Até o segundo mandato de Lula, o Tesouro restituía a dívida bancária poucos meses depois, fazendo o certo: lançando títulos e captando dinheiro. Por efeito, aumentando a dívida pública.

Diferentemente de seus antecessores, o governo Dilma não restituía o dinheiro pago pelos bancos públicos para cobrir suas despesas. Não se valia das já insuficientes receitas correntes. Também não captava no mercado para não aumentar a dívida pública. Ou seja, fingia que o problema não existia.

O uso de dinheiro dos bancos federais em programas de responsabilidade do Tesouro Nacional é o que se chama de pedalada fiscal. O gasto é feito, mas não aparece nas contas públicas.

É justo que se lembre que o PMDB jamais participou da formulação ou da condução da política econômica no governo Dilma. Deu sugestões, mas foi sempre ignorado pelo PT.

Fazer um banco público pagar despesas do controlador significa fazer emissão ilegal de moeda. É o 1% do PIB referido anteriormente, cerca de R$ 60 bilhões, pelos cálculos do Banco Central. O montante passou a circular na economia de forma oculta, já que não foi devidamente registrado nas contas públicas.

Moeda circulando em excesso causa inflação e desemprego. Não só isso, causa inflação e desemprego da pior espécie, aquela abrupta, silenciosa e resistente. Nos EUA, causou a grande recessão da década de 1930.

Não é um crime menor. Trata-se de uma ação extremamente grave, porque custa muito ao país -que o digam os desempregados. Acima de tudo, é uma ofensa da presidente à Constituição. Crime de responsabilidade, pois.

O processo de impeachment tomou forma em rito definido pela Suprema Corte, com base na Constituição. A presidente mandou sua defesa à Câmara e mobilizou as bancadas aliadas para votar. Vista por essa perspectiva, a narrativa de golpe perde todo o sentido.

Ao contrário, o que estamos vendo é uma firme determinação que se une à nossa cultura política: o Brasil não vai mais admitir governantes sem transparência, que descumprem a Lei de
Responsabilidade Fiscal, sem compromisso com o crescimento e o combate à inflação.

MOREIRA FRANCO, 71, ex-ministro da Aviação Civil (2013-2015, gestão Dilma) e ex-governador do Rio (1987-1991), é presidente da Fundação Ulysses Guimarães, instituto de formação política do PMDB

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