Folha de S. Paulo


JORGE CAVALCANTI BOUCINHAS FILHO

Flexibilizar legislação trabalhista traria benefícios ao país? SIM

NEGOCIAÇÃO COLETIVA

Há muitos indicadores de que precisamos de uma nova legislação trabalhista. O nosso direito sobre o tema está hoje mais pautado pelo Judiciário –os quase 1.300 verbetes editados pelo Tribunal Superior do Trabalho– do que pelo Legislativo –os 922 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Temas de grande relevância –como dispensa coletiva, assédio moral e terceirização– ainda não foram objeto de norma aprovada após debate legislativo. Acabaram norteados por pronunciamentos judiciais diversos.

A reforma trabalhista não se tornou necessária em razão da atual crise econômica e não será a responsável por nossa saída dela. Conduzida de forma irresponsável, poderá, inclusive, aumentá-la.

É ilusório imaginar que apenas reduzindo salários e benefícios trabalhistas poderemos superar as atuais dificuldades econômicas. Os empregados representam um relevante grupo de consumidores. Empobrecê-los impactará o consumo e, por conseguinte, a produção.

As normas trabalhistas devem ser mais flexíveis para valorizar a construção do direito do trabalho a partir da negociação coletiva entre sindicatos de trabalhadores e de empregadores. Eles conhecem as peculiaridades de suas categorias melhor do que qualquer parlamentar.

Precisamos de um direito do trabalho que tenha seu esqueleto construído por leis trabalhistas gerais, inflexíveis, de cunho protetivo aos trabalhadores, mas com musculatura formada por normas coletivamente negociadas por quem sabe das necessidades e dos anseios próprios, por vezes exclusivos, das categorias econômicas e profissionais.

É ingênuo, contudo, acreditar que apenas a aprovação de uma norma que permita a sobreposição do negociado coletivamente sobre o legislado solucionará tudo.

A negociação coletiva deve ser um instrumento de adaptação das regras gerais e irrevogáveis às particularidades das atividades e da realidade. Não deve servir para prevaricar as relações de trabalho e garantir o lucro dos empregadores.

Para que isso se viabilize, é necessário reformar a estrutura sindical, de modo a tornar os sindicatos efetivamente representativos de suas categorias. Não podemos permanecer com um modelo como o atual, no qual dirigentes mantêm os quadros de filiados reduzidos para ser mais fácil vencer a próxima eleição.

Precisamos de mais liberdade sindical para termos sindicatos mais legítimos e representativos, que não se acomodem com as receitas garantidas por lei e lutem efetivamente por melhorias sociais para os trabalhadores por meio da negociação e do diálogo social.

Reformas dessa magnitude são mais bem conduzidas em momentos de estabilidade econômica e política. Na década passada, quando vivíamos um cenário favorável, foi organizado, com esse fim, o Fórum Nacional do Trabalho, com participação de representantes de empregados, empregadores e de diversas esferas do aparato estatal.

É lamentável que, naquele momento, quando tudo conspirava a favor, não tenhamos conseguido empreender a reforma necessária na nossa legislação sindical e trabalhista. A discussão inevitavelmente retornará num cenário em que uma crise econômica grave pressiona em direção a medidas socialmente ruins, com o país dividido e uma instabilidade política sem precedentes.

Será fundamental muita engenhosidade para implementar as mudanças necessárias sem provocar retrocesso social. O arrependimento pela oportunidade perdida é inevitável.

JORGE CAVALCANTI BOUCINHAS FILHO, 36, é professor de direito do trabalho na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e pesquisador do Neop (Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas)

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