Folha de S. Paulo


editorial

Críticas nada científicas

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) parece descontente com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Na última reunião com seu secretariado, dirigiu críticas ao principal órgão paulista de fomento, que estaria priorizando estudos sem serventia para a sociedade.

Nada mais equivocado. Primeiro, o tucano se engana ao estabelecer uma dicotomia entre pesquisa básica (supostamente sem utilidade prática) e aplicada (para solucionar problemas concretos). Já no século 19, Louis Pasteur disse: "Não há ciência aplicada; existem, sim, aplicações da ciência".

Tome-se a decifração da estrutura de dupla hélice do DNA, ocorrida em 1953. Seria um típico caso de busca do conhecimento pelo conhecimento. A descoberta, entretanto, tornou-se uma das bases da biotecnologia moderna, com inúmeras aplicações nas áreas de saúde, energia e nas indústrias química e alimentar, entre outras.

A própria Fapesp fornece exemplo eloquente. O programa Biota, financiado pelo órgão, realizou extenso inventário da biodiversidade no Estado de São Paulo. Hoje, seus resultados são utilizados pela Secretaria do Meio Ambiente como instrumento de gestão no setor.

Com a crítica, Alckmin não apenas parece ignorar o modo como a ciência progride como também comete uma injustiça. É que a maior parte dos desembolsos da Fapesp se direciona a temas que o governador certamente considera úteis.

Em 2015, a instituição financiou nada menos que R$ 332 milhões (ou 28% de um total de R$ 1,18 bilhão) em estudos no campo da saúde, de longe sua maior rubrica de gastos.

Além disso, R$ 177 milhões (15%) foram despendidos em pesquisas na área de biologia, e R$ 60,5 milhões (5%), na de química –as quais, em muitos casos, levam a resultados práticos no curto prazo.

Em outro recorte, cerca de 55% de todos os investimentos são voltados para projetos que possuem claros objetivos de aplicação com interesse econômico e social.

A fundação também foi o órgão de fomento do país que reagiu com mais agilidade à crise trazida pela ligação entre o vírus da zika e a microcefalia, aprovando rapidamente R$ 500 mil para estudos.

Por fim, a instituição tem importante papel na formação, financiando 30 mil bolsas e auxílios, da iniciação científica ao pós-doutorado.

Tudo somado, Geraldo Alckmin deveria reconhecer, em vez de censurar, a contribuição da Fapesp para o desenvolvimento do Estado que governa.

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