Folha de S. Paulo


editorial

Crime cibernético

Tornado público recentemente, o relatório final da CPI de crimes cibernéticos tem suscitado inúmeras controvérsias. Não é para menos. Sob o pretexto de aumentar a segurança no ambiente virtual, o texto sugere medidas e leis que, se forem aprovadas, aumentarão o poder de censura sobre a rede e diminuirão a privacidade do usuário.

Dada a grita de entidades e acadêmicos preocupados com o tema, o deputado Esperidião Amin (PP-SC), relator da CPI, excluiu do texto um dos pontos mais polêmicos.

Pretendia-se sugerir que uma lei tornasse sites e aplicativos corresponsáveis por conteúdos atentatórios à honra caso não os retirassem em até 48 horas após solicitação do ofendido –e isso sem necessidade de decisão judicial.

Pode-se imaginar que, por precaução, sites e aplicativos terminariam por restringir de modo severo os conteúdos em circulação –incluindo notícias sobre envolvimento de políticos em corrupção.

Se esse mecanismo foi eliminado, o conjunto restante não deixa de ser uma compilação de iniciavas que visam a limitar o livre funcionamento da internet. Suas disposições atacam pilares do Marco Civil da Internet, diploma aprovado em 2014 que colocou o Brasil na vanguarda do tema.

Um dos pontos atingidos é a chamada neutralidade da rede. De maneira geral, esse princípio estatui que todos os dados que trafegam pela internet devem ter um tratamento isonômico, sem qualquer tipo de discriminação ou filtragem.

Isso garante, por exemplo, que a velocidade de conexão não seja alterada em razão do conteúdo ou endereço acessado. Também proíbe que bloqueios ou censuras ocorram no nível da transmissão dos dados (a infraestrutura da rede), salvo por motivos técnicos.

É sobre esse último ponto que a CPI sugere criar uma exceção. Propõe-se que, a pretexto de coibir atividade criminosa, juízes possam determinar que empresas provedoras de conexão interrompam o tráfego de sites inteiros.

Trata-se de um desatino. Já existem mecanismos legais que possibilitam a retirada específica de qualquer material considerado ilícito. Além disso, o dispositivo abre espaço para variados abusos.

Disputas envolvendo direitos autorais sobre determinada postagem, ou mesmo questionamentos de caráter político, podem resultar em banimento de endereços virtuais —esse é o tipo de controle usado por países como China e Irã.

A votação do relatório da CPI está marcada para quarta-feira (27). É imperioso que, até lá, essas graves distorções sejam corrigidas.

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