Folha de S. Paulo


Danilo Limoeiro

Efeitos colaterais do combate à corrupção

O combate à corrupção pode fazer mal à sua saúde. A conclusão é do artigo científico "Is Corruption Good for Your Health?", de autoria de três economistas brasileiros.

Os autores demonstram como o programa de auditorias da Controladoria-Geral da União (CGU) nos municípios, cujo objetivo era combater a corrupção, piorou os indicadores locais de saúde.

Após as diligências da CGU, gestores locais suspendiam os investimentos em saúde pública, possivelmente por receio de incorrer em erros dentro do emaranhado de normas de licitação. A consequência foi a redução dos leitos nos hospitais e a queda na imunização e no saneamento básico.

As conclusões deste estudo não afirmam que devemos ser lenientes com o malfeito. Implicam, entretanto, que políticas de combate à corrupção podem resultar em danos inesperados em outros objetivos.

Para evitar tais danos, os mecanismos de luta contra delitos devem ser constantemente avaliados e aprimorados. Os benefícios precisam ser contrapostos a seus custos.

Essa lógica se aplica a qualquer política pública em um ambiente democrático e não deveria ser diferente na prevenção ao crime.

Nesse sentido, a condução da Operação Lava Jato deve ser submetida ao mesmo escrutínio. Deixo de fora outros pontos controversos da operação, como a possível partidarização de suas investigações ou o desrespeito a direitos básicos dos investigados. Concentremo-nos em seus impactos econômicos.

A Lava Jato tem como estratégia promover estardalhaço em suas investigações para angariar suporte popular às suas diligências. A premissa é simples: atores poderosos só serão punidos caso haja comoção popular.

Tal estratégia, no entanto, impacta negativamente o funcionamento da economia brasileira. Gera um constante clima de incerteza e insegurança. Impossibilita previsibilidade mínima de cenários futuros, um pré-requisito para a expansão ou mesmo a continuidade da atividade empresarial.

Pior, o clima instável se arrasta não por algumas semanas, como em outras operações, mas por dois anos ininterruptos. O impacto é sentido em toda a cadeia produtiva, mesmo por pequenos empresários ou trabalhadores nem sequer relacionados ao fato investigado.

O estardalhaço como estratégia tem outro efeito indireto na economia: sequestra a agenda de discussões públicas sobre reformas necessárias ao país. Por exemplo, discussões sobre reforma tributária são totalmente impensáveis por empresários e políticos neste momento.

A reforma da Previdência, aventada pelo governo federal semanas atrás, foi tragada pelo turbilhão. Atenção e nervos voltados para uma única operação policial impossibilitam debates de outros temas cruciais.

É necessário discutir de forma aberta e republicana como minimizar os impactos negativos das estratégias de combate à corrupção em outros objetivos sociais. Punir atores poderosos é sinal de força das instituições. Precisar paralisar um país por anos para fazê-lo é um sinal de grande fraqueza institucional.

Precisamos de políticas que punam os corruptos de todos os partidos mas que também que tenham efeitos colaterais menores.

DANILO LIMOEIRO, 34, cientista político, fez mestrado em estudos latino-americanos pela Universidade de Oxford. É autor de "Além das Transferências de Renda"(editora UnB)

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