Folha de S. Paulo


Thomaz Pereira

Antecipação de eleições gerais é constitucional? Sim

SAÍDA LEGAL

Diante da atual crise política, a antecipação de eleições presidenciais para 2016 tem sido discutida por políticos governistas e da oposição. Porém –mesmo que haja vantagens nessa saída alternativa–, uma emenda constitucional convocando eleições antecipadas seria constitucional?

Sob certas condições, sim.

Emendas são inconstitucionais se violarem cláusulas pétreas –normas constitucionais tão fundamentais que limitam até esse poder. Uma proposta como essa provavelmente seria questionada no STF (Supremo Tribunal Federal). Prever uma decisão futura dos ministros é difícil. Mas, desde já, é possível imaginar formas de responder a possíveis questionamentos.

Dois limites constitucionais relevantes são a soberania popular e a separação de Poderes.

A convocação de eleições antecipadas é sempre uma devolução de poder ao povo. Não viola a soberania popular. Emendas que aumentassem o mandato de um presidente ou que determinassem a sua substituição por eleição indireta violariam esse princípio. Não é o caso. O que se propõe são novas eleições diretas.

Já o limite da separação de Poderes apresenta problema mais delicado. Em um sistema em que congressistas e presidente são eleitos de maneira independente, uma emenda promulgada pelo Congresso Nacional simplesmente antecipando o fim do mandato presidencial seria inconstitucional.

Desrespeitaria a separação de Poderes, pois se trataria de um (Legislativo) encerrando o mandato do chefe de outro (Executivo) por meio de legislação. Mas não precisa ser necessariamente assim.

É possível convocar novas eleições sem violar esse limite desde que se tenha o apoio do próprio Executivo. Idealmente, a proposta de emenda partiria da própria presidente, mas seu apoio formal a uma emenda já proposta pelo Legislativo também ajudaria a enfraquecer alegações desse tipo.

Nesse caso, não teríamos um Poder interferindo no outro, mas um concerto entre Legislativo e Executivo –sempre sob o controle do Judiciário, com o Supremo Tribunal Federal sendo certamente chamado a analisar o pacto.

Esta Folha, em editorial, ao se posicionar contra essa proposta, parece misturar esses dois limites. Declara acreditar que o encurtamento do mandato seria inconstitucional por violar o "voto periódico". Ao fazer isso, além de interpretar expansivamente a exigência de periodicidade, como uma proibição absoluta à redução de mandatos, justifica-se ilustrando o problema de "um Legislativo forte [...] abreviar a vida de um Executivo fraco".

No entanto, essa segunda questão, apesar de extremamente relevante, diz respeito à separação de Poderes, sendo evitável pelo requisito de apoio do próprio Executivo. Essa separação serve para proteger cidadãos e conter abusos desse tipo –um amplo acordo entre os Poderes de que é preciso devolver o poder ao povo é algo que merece respeito.

A presidente Dilma Rousseff indicou que só aceitaria discutir essa proposta caso as eleições fossem gerais. Presidente e legisladores colocariam seus cargos à disposição dos eleitores. Eleições gerais poderiam diminuir as chances de aprovação da emenda, mas aumentam as chances da sua constitucionalidade. Reforçam o caráter multilateral do pacto. Legislativo e Executivo juntos aprovando uma emenda que antecipa o fim dos mandatos de ambos está muito longe de situação em que um poder inconstitucionalmente invade as prerrogativas do outro.

Nesses termos, a medida seria constitucional. Mas, no momento atual, ser permitida é insuficiente. Resta saber se é factível e politicamente desejável.

THOMAZ PEREIRA, 33, professor da FGV Direito Rio, é mestre em direito pela Universidade Yale (EUA)


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