Em novembro de 2015, vimos surpresos o desastre em Mariana. Desde então, esperamos explicações para a ruptura da barragem.
A mineradora foi mesmo irresponsável? Como pode uma barragem ser declarada segura em julho e romper em novembro? Foi um terremoto? O acidente poderia ser evitado? Houve falha no projeto ou na obra? Há um estudo técnico para entender as causas, conduzido por uma entidade respeitável? A vila de Bento Rodrigues estava em local inadequado? Faltou fiscalização? Houve propina?
Queremos respostas claras. As investigações seguem sigilosas, a cargo da polícia e de técnicos contratados pela Samarco, e, pior, sem data para conclusão! O governo atua apenas para multar e acusar a empresa, sem obter as causas. Isso gera boatos e descrença sobre a lisura do laudo esperado.
Logo após o desastre, as entidades tradicionais da engenharia –ANE, ABMS, CBDB e Clube de Engenharia– promoveram encontros para comentar o acidente e tirar lições para melhorar as normas de barragens de rejeitos.
O governo deveria nomear uma comissão única, com especialistas isentos, para averiguar o ocorrido e produzir um laudo técnico que seja aceito por todos e gere lições para devolver à engenharia a segurança desejada.
A demora nas ações de mitigação causa danos à imagem da nossa engenharia de barragens, capaz de grandes obras como Paulo Afonso e Itaipu, dentre tantas. Temendo novos acidentes, o povo já não quer mais que barragens sejam construídas para benefício de todos.
O DNPM, órgão do Ministério de Minas e Energia, diz que o país tem mais de 650 barragens de rejeitos. O sigilo e a demora geram propostas radicais, como a de se proibir a atuação de empresas mineradoras.
E Mariana não foi um caso inédito: em 2014 houve dois acidentes sérios, com as barragens de Mount Polley (Columbia Britânica, Canadá, sem vítimas, em agosto) e da Herculano Mineração (Itabirito, MG, com três mortes, em setembro).
É clara a diferença na gestão dos acidentes: vinte dias após o desastre canadense, o governo regional já definia a comissão de investigação, liderada pelo prof. Norbert Morgenstern, um dos engenheiros mais famosos do mundo geotécnico.
O laudo final, com 3.400 páginas, foi entregue em cinco meses, em sessão pública com conclusões claras sobre as causas da ruptura. Uma aula de engenharia, ao vivo na internet, para o mundo saber: houve falha no projeto da barragem!
No caso de Itabirito, não há notícia sobre uma comissão técnica oficial para gerar o laudo do desastre. O inquérito policial demorou 15 meses para sair, apontando irregularidades e omissão: a empresa ignorou avisos de problemas na drenagem da barragem de rejeitos e começou produzir minério sem ter a licença. Cinco pessoas, empregados da mineradora e da empresa que fazia auditorias anuais das barragens, estão indiciadas.
Outro exemplo de leniência do governo refere-se ao desastre ambiental da região serrana fluminense, que vitimou milhares de pessoas em 2011, sem ninguém ter sido multado ou acusado de irresponsável por aceitar a ocupação irregular de encostas urbanas.
Cinco anos depois, pouco foi feito: não houve um laudo com sugestões para evitar novos desastres e a região sequer foi recuperada: há obras não realizadas e vítimas ainda soterradas nas áreas afetadas por deslizamentos e avalanches.
Por tudo isso, não podemos repetir o erro e esquecer Mariana. Se houve ruptura, houve falha. É preciso divulgar os laudos de todos os desastres e tirar lições dos acidentes para termos obras mais seguras.
ALBERTO SAYÃO, 61, é professor de Engenharia Geotécnica da PUC-Rio, Membro Titular da ANE - Academia Nacional de Engenharia
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