Folha de S. Paulo


editorial

Boletim de opacidade

Já se afirmou neste espaço que ou o governo Geraldo Alckmin (PSDB) não entendeu o princípio básico da Lei de Acesso à Informação, ou o captou muito bem e trabalha para burlá-la de modo sorrateiro. O decretado sigilo de até meio século para boletins de ocorrência reforça a segunda e mais grave possibilidade.

A sanha segredista enterrou primeiro documentos sobre metrô, trens metropolitanos e ônibus intermunicipais. A alegação do governo tucano, na época, era fantasiosa, se não risível: pessoas mal-intencionadas poderiam valer-se de projetos executivos para planejar sabotagens.

Não durou muito. A forte reação à classificação de tais documentos como ultrassecretos –o que possibilita trancá-los por período renovável de 25 anos– fez o Bandeirantes recuar e rever a decisão. De outro modo, daria força à interpretação de que se visava ocultar vestígios dos muitos escândalos de corrupção sobre trilhos.

O mesmo zelo obscurantista assaltou a Sabesp, que tentou mandar para o volume morto da história papéis sobre a rede estadual de água. Mais uma vez, brandiu-se o fantasma de terroristas para justificar o injustificável.

Agora caem vítimas da arbitrariedade policialesca os boletins de ocorrência, tipo de registro fundamental para estatísticas de segurança pública. O pretexto seria proteger dados pessoais de testemunhas e envolvidos –de acordo com o governo do Estado, uma obrigação constitucional.

É um atentado contra o bom senso e contra a boa fé. O governador se gaba de ter levado a taxa de homicídios abaixo do patamar –tido como aceitável segundo padrões internacionais– de 10 por 100 mil habitantes, mas a recente medida de seu secretário da Segurança, Alexandre de Moraes, lança dúvidas sobre os dados da façanha.

Para que essa taxa seja crível, os boletins precisam estar à disposição da sociedade civil e dos especialistas independentes. Sem controle público, ficamos todos à mercê da propaganda oficial.

Se quer proteger particulares, o governo não precisa do abusivo sigilo por até 50 anos sobre os documentos. Basta divulgá-los, por exemplo, com as eventuais informações comprometedoras borradas, um procedimento relativamente simples.

Sem isso, ao recorrer ao sigilo por atacado, põe nas mãos da corporação o poder de decidir que documentos podem ou não ficar sob escrutínio público. Exatamente o oposto do que se pretende com a Lei de Acesso à Informação.

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