Folha de S. Paulo


Marcelo Haydu

Por que integrar é preciso?

O desastre em Mariana (MG) foi um triste exemplo do que é perder parte da vida abruptamente. Pessoas que fogem de seus países por medo da destruição causada por conflitos ou catástrofes naturais vivenciam traumas.
Os mais de 20 milhões de refugiados ao redor do mundo carregam histórias que não cabem em suas bagagens. Garantir-lhes dignidade e condições para exercer o direito à vida e seu desenvolvimento deve ser a premissa que orienta políticas de acolhimento e integração.

Embora mais de 5.000 solicitações de refúgio já tenham sido indeferidas pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), o Brasil tem mantido uma postura de acolhimento a refugiados -hoje mais de 8.000 no país.
Facilitar o acolhimento é importante porque uma via legal e segura para acessar o país é uma das formas de combate à exploração no transporte e contrabando de pessoas.

A maioria dos quase 1 milhão de estrangeiros residentes no Brasil tem origem europeia, segundo dados da Polícia Federal até outubro de 2015. Enquanto estrangeiros seriam quase 0,5% da população residente no país, aqueles com status de refúgio somam quase 0,004% - cifra bastante modesta para justificar afirmações sobre o risco que trazem ao mercado de trabalho.

Enquanto a xenofobia pouco atinge aqueles de origem europeia, casos de crimes de ódio contra congoleses, haitianos e migrantes de países em desenvolvimento foram reportados pela mídia em 2015.

A infeliz e precipitada associação entre o islamismo e o terrorismo é também frequente. O Congresso tem reconhecido o problema e convocado audiências sobre o assunto. O Ministério da Justiça empregou esforços em campanha contra a xenofobia.

Essa é apenas uma das resistências que comprometem a integração de quem foi forçado a se deslocar e busca a proteção do refúgio. Em São Paulo, cidade que concentra muitos migrantes e refugiados, organizações da sociedade civil, como o Adus, oferecem serviços para realização dos direitos e integração de refugiados.

Mas ainda é preciso avançar na efetivação de uma política de integração de refugiados que trate do acesso ao mercado de trabalho, à educação, à moradia, à saúde, ao crédito, à assistência social e a outros direitos.
Essa política deve vir de uma governança multissetorial e contar com uma avaliação das dimensões de integração local. O Estado tem papel crucial junto aos outros setores na articulação de esforços para que refugiados possam ser parte da força motriz do desenvolvimento do país.

Empresas multinacionais são elas mesmas frutos da travessia de fronteiras e devem exercer liderança na contratação de refugiados. Incubadoras de cooperativas e de negócios sociais podem ter grande papel no empreendedorismo dessas pessoas.

Apesar de boa parte da atenção mundial estar voltada à resposta europeia, muitos refugiados (86%) estão em países em desenvolvimento, aponta a agência da ONU para o tema. Em contato com organizações que trabalham com o refúgio em outros países, verificamos efeitos negativos de uma má ou ausente política de integração.

O Líbano, por exemplo, viu sua taxa de crimes e a população carcerária estrangeira terem um aumento relativo, explicado pela falta de políticas básicas de educação, moradia e trabalho para sua população, que aumentou em um quarto desde a chegada de refugiados.

Na Turquia, crianças refugiadas não tiveram acesso à educação por terem de trabalhar para ajudar suas famílias, ou abandonaram a escola por problemas com bullying e professores despreparados para promover a inclusão.

Por outro lado, relatório encomendado por autoridade alemã (BKA) em 2015 ajudou a dissipar o mito sobre o aumento desproporcional de crimes por causa de refugiados. Segundo o próprio Ministro de Interior, "eles vêm à Alemanha em busca de proteção e paz".

A Alemanha é o país da Europa que mais tem recebido refugiados. Organiza esforços entre níveis de governo para o acolhimento e a integração.

Promover a integração é também uma oportunidade para gerar um desenvolvimento saudável da sociedade civil e da democracia e manter o patrimônio que é a diversidade brasileira.

Segundo refugiados congoleses atendidos pelo Adus: "O Brasil é um país solidário, eu senti o amor do povo brasileiro. Aqui pode ter crime e violação, mas também tem amor. Politicamente sou refugiado, mas culturalmente, não. Meus ancestrais africanos também estão aqui, meus irmãos e família, então eu tenho que ter direitos como as pessoas que estão aqui. O Brasil tem uma capacidade grande, tem mais pra ajudar."

MARCELO HAYDU é diretor do Adus - Instituto para Reintegração de Refugiados, instutição que, desde 2010, atende refugiados, solicitantes de refúgio e pessoas em situação análoga ao refúgio nos programas de reintegração, orientação de trajeto e advocacy

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