A nomeação do psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho para a Coordenação Nacional de Saúde Mental, do Ministério da Saúde, expressa o retorno às tenebrosas páginas da psiquiatria brasileira.
Quem poderia esperar que o governo de uma ex-presa política, torturada nos porões da ditadura, nomearia um dirigente de um dos piores porões da psiquiatria manicomial para coordenar a política de saúde mental?
Duarte Filho foi diretor técnico da Casa de Saúde Dr. Eiras, fechada em 2012, por intervenção federal, depois que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados constatou graves violações de direitos humanos no manicômio.
Cesar Habert Paciornik | ||
Desde os anos 1970, os coordenadores de saúde mental estiveram alinhados com a reforma psiquiátrica e a OMS (Organização Mundial da Saúde). Por que trocar precisamente o que funciona melhor em saúde mental?
Sob a gestão de Roberto Tykanori, foi consolidada a Rede Nacional de Saúde Mental com 2.200 Centros de Atenção Psicossociais, muitos deles oferecendo hospitalidade intensiva por 24 horas, articulados a emergências psiquiátricas, unidades básicas de saúde, residências terapêuticas e outras formas efetivas de reabilitação.
Foram inaugurados, pela primeira vez, eficientes programas preventivos ao uso problemático de drogas, que atraíram a atenção da OMS, Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) e UNODC (órgão das Nações Unidas para drogas e crime). Nos últimos 25 anos, mais de 60 mil leitos manicomiais no Brasil foram desativados.
Milhares de pessoas que apodreciam em hospícios, sujeitas a torturas e maus-tratos, foram, com enorme trabalho, resgatadas para se beneficiarem de moradias terapêuticas e outras formas de cuidados, em liberdade. A reforma psiquiátrica brasileira foi considerada um exemplo pela OMS.
A impressionante mobilização do movimento da luta antimanicomial no Brasil vem dando novas provas de sua força desde 14 dezembro, quando foi anunciada a troca de Tykanori por Duarte Filho. No mesmo dia ocorreram atos contra a nomeação em 600 municípios do país. A sala da Coordenação da Saúde Mental do Ministério da Saúde foi ocupada por integrantes do movimento.
Na última quinta (14), uma marcha de mil psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, usuários e familiares protagonizou um belíssimo ato em Brasília. Em 18 de maio é celebrado o dia da luta antimanicomial. Em 2016, todo dia 18 será dia de luta contra os manicômios.
Por onde quer que vá o ministro (Piauí, Alagoas, Rio de Janeiro, Santos, Natal), o movimento aparece para protestar.
A Associação de Juízes para a Democracia lançou nota de apoio aos ocupantes do Ministério da Saúde, milhares de professores universitários assinaram carta de repúdio e diversas entidades estão se somando ao movimento no Brasil e em outros países. Professores e personalidades da área psiquiátrica de Reino Unido, Lisboa, Espanha, Argentina e Índia já se manifestaram.
A história não se repete só como tragédia ou farsa. Os movimentos libertários de agora –por melhores escolas, transporte e pelos direitos das mulheres– trazem uma corrente de ar fresco ao cenário nacional assombrado pelo ódio e pela desesperança.
Baruch de Espinosa se perguntava: se o homem nunca experimentou a liberdade, o que é isso que o faz eternamente lutar por ela? E respondeu: o desejo.
ANTONIO LANCETTI, 66, psicanalista, é consultor do Programa de Saúde Mental de São Bernardo do Campo. Escreveu "Clinica Peripatética" (2006)
MARIA RITA KEHL, 63, psicanalista, foi integrante da Comissão Nacional da Verdade. É autora "Processos Primários" (Estação Liberdade)
ALDO ZAIDEN, 35, psicólogo e mestre em ciências sociais, foi membro do conselho nacional de política sobre drogas do Ministério da Saúde
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