Folha de S. Paulo


editorial

Buraco na base

Prossegue envolto em incerteza e vaguidão o percurso que conduzirá o país a adotar no segundo semestre, se nada mais der errado, a Base Nacional Curricular (BNC). Parece no entanto improvável que se chegue a bom termo, pois a discussão imprescindível nem sequer se iniciou, a bem da verdade.

Mais que elogiável, é fundamental buscar um currículo comum para todas as escolas brasileiras.

Ele traria clareza a professores, pais e alunos sobre o que é direito de cada estudante aprender e dever de cada mestre ensinar. Ademais, tornaria mais objetivas as avaliações de desempenho e serviria para orientar o que cabe às faculdades de pedagogia ministrar.

O Ministério da Educação (MEC) lançara sua proposta para a BNC em setembro. Recebeu uma saraivada de críticas, a começar pela orientação ideológica do capítulo sobre história. Mas também houve reparos aos itens sobre linguagem, pelo habitual desdém pela norma culta, e à falta de coerência entre suas partes.

O governo criou, além disso, um simulacro de debate ao abrir espaço digital para receber sugestões de modificação. Surgiu, assim, uma situação complicada: quase 10 milhões de propostas já chegaram ao MEC, e o prazo de envio deve encerrar-se em 15 de março.

O ministério terá então até junho para sistematizar uma nova proposta e submetê-la ao Conselho Nacional de Educação (CNE).

O próprio ministro Aloizio Mercadante (PT) reconheceu a omissão de pontos cruciais da evolução histórica, como democracia, separação de Poderes, direitos e garantias individuais. Também anunciou que a Universidade de Brasília (UnB) fará uma triagem para verificar a qualidade e a natureza das contribuições.

Cabe indagar: por que a UnB, e não qualquer outra universidade? Com quais critérios trabalhará? Por que, desde o começo, não se recorreu a audiências públicas, com a participação de especialistas?

Por proficientes que sejam os pesquisadores em pedagogia da UnB, é duvidoso que representem bem a gama de convicções sobre o rumo que a base deveria imprimir à educação nacional.

De resto, não fica nada claro como a UnB ou o CNE poderão, sozinhos, dirimir questões decisivas em aberto, como a exagerada reserva de 40% do tempo letivo para conteúdo não determinado -seja lá o que isso queira significar.

Seria exagerado pedir que o processo de adoção da BNC recomece do zero, mas é evidente que, na toada atual, ele arrisca converter-se num buraco negro que tudo assimila e nada devolve ao desordenado universo do ensino brasileiro.

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