Folha de S. Paulo


Roberto S. Waack

A COP 21 e a Curva S

"Só sabemos com exatidão quando sabemos pouco; à medida que vamos adquirindo conhecimentos, instala-se a dúvida." (Goethe)

Celebrado o Acordo de Paris, iniciamos uma nova jornada. A teoria dos ciclos de vida tecnológicos (curva S de inovação) indica que, escondidas sob a predominância das tecnologias vigentes, se desenvolvem as incumbidas de substituí-las. As novas precisam entrar na fase de crescimento exponencial para superarem a forma tradicional de como os bens são produzidos. Para tanto, costumam demandar eventos como a COP 21 como um ponto de virada, um tipping point.

Christiana Figueres, secretária executiva da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), mencionou algumas vezes, durante a Conferência de Paris, que "o sinal está acima dos ruídos". Leia-se: a COP 21 confirmou o sinal de que o futuro será de uma economia de baixo carbono. Os ruídos são as dúvidas da citação de Goethe.

Uma das discussões mais ricas diz respeito às macro alternativas para se lidar com a redução de emissões. Há uma linha que defende que as soluções virão do desenvolvimento de tecnologias voltadas para baixa emissão de carbono e de seu sequestro na atmosfera. As chamadas "árvores artificiais" são apostas dos países desenvolvidos.

Do outro lado, aparece a defesa contundente das florestas como meios mais eficientes para retirar e manter estoques de carbono. O Brasil tem vantagens comparativas relevantes no uso do solo, na produção de alimentos, de fibras e de energia.

A mobilização da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, com mais de 50 representantes em Paris, atesta que os principais líderes florestais e do agronegócio, incluindo pecuária, já estão prontos para "surfar" a nova onda tecnológica. No caso brasileiro, ela está assentada na valorização ampla do nosso capital natural.

Isso não significa que o Brasil atuará apenas nesse front. As emissões nacionais crescem no campo da energia e do transporte (combustíveis), mas ambas são também passiveis de soluções vindas da boa gestão do capital natural. Entre as demandas, esforços de refinamento –caso do domínio da silvicultura de espécies nativas para a agenda da restauração– e consolidação das oportunidades de combinar floresta com agricultura.

Outro ponto fundamental: ajustes de políticas públicas, como é o caso do bem-sucedido etanol. Na lista de desafios práticos, aparecem os instrumentos de monitoramento, controle e rastreabilidade para acabar com o desmatamento e o comércio de madeira ilegal.

Esse jogo da consolidação das novas curvas tecnológicas é, por princípio, multi atores. A liderança no desenvolvimento e no uso de novas alternativas parece estar no setor privado. Além de politicas públicas contundentes, requererá também pontos pouco abordados no acordo de Paris: a mudança de hábitos de consumo e o componente educacional da população.

Ainda é crítico o financiamento da mudança tecnológica. Paris apontou para a constituição de fundos relevantes, apesar de especialistas os julgarem insuficientes. Em contrapartida, um dos pontos mais marcantes foi a inédita participação dos fundos institucionais de investimentos. Valuations mudarão com a inclusão de riscos futuros associados às mudanças climáticas.

Mas não só riscos. A perda de momentum em mergulhar em oportunidades que essa agenda oferece será determinante das lideranças da economia de baixo carbono. Ou seja, os recursos não virão apenas dos fundos a serem estabelecidos, mas dos grandes investidores. E de substituição de matriz tecnológica eles sabem muito, tanto do lado dos riscos, quanto das oportunidades.

Nesse campo, outro grande passo da COP 21 foi o reconhecimento do valor do carbono, abrindo um corredor de alternativas de negócios (e, talvez, de dolorosas medidas tributárias).

Dentre os elementos que indicam uma nova fase da curva das tecnologias associadas ao carbono estão a decisão de revisões periódicas das INDCs, além do monitoramento de emissões e da implementação de metas. Deixamos Paris com a certeza exata de que o sinal para a economia de baixo carbono está dado, e entramos no campo das dúvidas de como esse caminho será trilhado. Como diz o poeta alemão, só assim avançamos. Como? Saberemos encontrar as respostas.

ROBERTO S. WAACK, biologo, é mestre em administração de empresas pela USP, membro fundador e presidente do conselho da Amata, empresa florestal brasileira, e presidente do Conselho Diretor do WWF-Brasil.

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