Folha de S. Paulo


Petterson Molina Vale

COP21 trará avanços no combate ao aquecimento global? Não

SEM ACORDO, SEM NOVIDADE

Visualize a seguinte cena. Um grupo de pessoas se vê obrigado a preparar uma refeição coletiva. Há ricos e pobres, jovens e velhos. Uns estão famintos, outros exigem que o cardápio não inclua glúten, ou carne, ou leite, e muitos permanecem sentados, talheres à mão, a observar e cochichar.

É o que se vê nas negociações de tratados ambientais internacionais: quanto maior e mais heterogêneo o grupo, menos chance de um resultado satisfatório. O Protocolo de Montreal de proteção à camada de Ozônio, de 1989, foi um excepcional sucesso que só confirma a regra.

Sucesso que levou os negociadores do clima a almejarem o impossível: um tratado em que um grande número de países assume o compromisso de manter as emissões de gases do efeito estufa dentro de uma faixa considerada segura. E mais, tal compromisso deveria ser "vinculante", ou seja, ter embutidos os instrumentos de fiscalização.

Na prática, os negociadores do clima da COP21 costuraram o Protocolo de Kyoto, em vigor desde 2005 para reduzir as emissões entre 2008 e 2012.

Foi um resultado bem inferior ao necessário. Ponto para os economistas climáticos que, no início dos anos 1990, concluíram que a cooperação entre um grande número de participantes seria inviável no contexto climático.

A atmosfera é uma só, daí a busca por um acordo global. Não há sentido em reduzir as emissões no país A enquanto crescem no B.

O que os modelos econômicos preveem, no entanto, é que acordos com muitos signatários só podem atingir dois resultados igualmente indesejáveis: estabelecer e cumprir metas que fiquem aquém do necessário (Protocolo de Kyoto) ou estabelecer objetivos ambiciosos que não serão respeitados por falta de punição (COP21, uma carta de intenções sem plano de ação).

É o clássico problema da cooperação, em que cada participante sabe que o sucesso do grupo depende mais dos outros do que dele próprio.

Elinor Ostrom, Prêmio Nobel de Economia, alertou para o fato de que os arranjos institucionais de gestão de bens comuns –como a atmosfera– têm pouco a ver com os (idealizados) acordos globais vinculantes. O que ela chamou de "enfoque policêntrico" mostra-se cada vez mais relevante para a regulação do clima.

Exemplos: a rede C40 das 75 maiores cidades com estratégias climáticas; as legislações estaduais da Califórnia e do Colorado (EUA); o esquema europeu de comércio de carbono; o Carbon Disclosure Project, que divulga o balanço de carbono de grandes corporações.

O período pós-Conferência de Copenhague (2009) impôs à política climática uma ruptura cuja escala só agora veio a ser apreciada. Não será possível construir um acordo global com compromissos vinculantes. Está emergindo um sistema em que as decisões são tomadas de forma descentralizada, mas não obrigatoriamente descoordenada.

A COP21 só resolverá o problema do aquecimento global se deixar de ser avaliada por um paradigma superado. Procurar saber se o modelo descentralizado vai funcionar é fazer a pergunta certa. Depois de 20 anos olhando na direção errada, chegou a hora de cobrarmos das negociações multilaterais aquilo que elas realmente podem entregar.

PETTERSON MOLINA VALE, 32, é economista com doutorado na London School of Economics. Redigiu o capítulo sobre economia do livro "O Imbróglio do Clima" (Senac, 2014) e integrou o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas

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