Folha de S. Paulo


J.R.Duran

Meninos, eu vi

Foi em janeiro de 1980 que publiquei minha primeira capa para a revista "Playboy". Nunca havia fotografado uma mulher nua até então, mas fui escolhido para a missão após visitar, armado com a cara e a coragem (e um portfólio de fotos de modelos vestidas), Carlos Grassetti, o diretor de arte da revista que fazia a ponte com os melhores fotógrafos e ilustradores do planeta.

Até hoje não sei o que ele viu em mim, mas foi ali que tudo começou. Até 2010, cheguei a contabilizar, depois perdi a noção, 243 ensaios para a revista. Fui o verdadeiro exemplo de freelance fiel.

A "Playboy" no Brasil teve uma vida ondulante, mas passou por dois momentos esplendorosos. O primeiro foi sob a direção de Mário de Andrade. Naquela época, anos 1980, a revista já espelhava, além das belas mulheres, a fina flor dos textos e dos "bon vivant" do Brasil.

As reuniões de pauta eram na casa do Mário, aqui em São Paulo, e juntavam, além dos jornalistas da Redação, gente como Walter Clark, Washington Olivetto, Juca Kfouri (mais tarde um dos diretores da publicação) e outras figurinhas que traziam as novidades das melhores coisas da vida em primeira mão.

Lembro-me do dia em que alguém mencionou um amigo que pescava tubarões, em mar aberto, com Astor Piazzolla. Mário não teve dúvidas –um par de meses depois, a reportagem com o músico argentino estava estampada na revista.

Foi, porém, com a direção de Ricardo Setti que as vendas subiram a patamares estratosféricos. O time que ele comandava era uma verdadeira seleção de jornalistas. Na Redação só tinha feras.

Setti, generoso e gentil, empurrava meus devaneios como vento nas velas, além de me dar completa liberdade. Nos ensaios tudo era possível em nome do bom gosto. Era o jogo do "e se?".

Fotografar Paula Burlamaqui: e se fôssemos para Aspen? Um ensaio com Feiticeira: e se fôssemos para Istambul? Danielle Winits? Las Vegas. A nova loira do Tchan: que tal Havaí? Galisteu? Grécia!

Eu consultava uma pilha de revistas de viagem para poder dar sugestões originais de lugares (que eu não conhecesse, claro) aos editores.

No ranking de vendas da revista (e a "Playboy" tem ranking para tudo: cachaças, vinhos, champanhes, motéis), em 9 das 10 mais vendidas eu estava lá, centroavante na boca do gol, com a missão de não falhar.

Fotografei a Feiticeira (com e sem o véu), a Tiazinha (com e sem máscara), Adriane Galisteu, Scheila Carvalho & Sheila Mello (juntas e separadas) e Carla Perez. Só essas seis personagens venderam um total de, atenção, 8.271.344 exemplares, número que me deixa a certeza do dever cumprido.

Apenas uma reportagem, das que fiz, não foi publicada: as fotos de Alina Fernández Revuelta, uma das filhas de Fidel Castro, feitas em Roma, em 1998. Isso mesmo, a filha "del" comandante Fidel. Foi a mais secretas das missões fotográficas da "Playboy" em que já embarquei.

Na hora da verdade Alina se despiu, mas não quis sorrir. O trato foi desfeito, os negativos devolvidos, e só se falou nisso 12 anos depois, quando Setti escreveu um texto relatando esse episódio.

Com o tempo, os caminhos da "Playboy" e os meus foram se distanciando, mas a revista ajudou a projetar meu nome para outras áreas: publicidade, moda, livros. Um mundo que se tornou mais atraente do que as pautas oferecidas pela revista que, aos poucos, foi perdendo seu brilho.

Em dezembro a "Playboy" deixa de ser publicada pela Editora Abril. E eu, depois de 35 anos como colaborador, só posso dizer uma coisa: meninos, eu vi.

J.R.DURAN, 63, é fotógrafo e editor da "Rev. Nacional"

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: