Folha de S. Paulo


editorial

Bofetada em Caracas

Muitas análises ainda serão feitas a respeito do resultado histórico das eleições parlamentares realizadas na Venezuela no domingo (6), mas dificilmente alguma superará, em sinceridade e insuspeição, o que afirmou o presidente Nicolás Maduro.

"Foi uma bofetada", resumiu o sucessor de Hugo Chávez em pronunciamento no qual reconheceu a derrota de sua agremiação –a primeira em uma disputa nacional nos 16 anos de domínio chavista.

Apesar das condenáveis manobras de um governo cada vez mais autoritário e truculento, o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) amargou queda expressiva no número de cadeiras na Assembleia Nacional unicameral do país.

A legenda chavista, que tinha cem deputados, elegeu cerca de 50 dentre os 167 parlamentares, segundo resultados extraoficiais. A MUD (Mesa da Unidade Democrática), por sua vez, saltou de 54 para estimados 112 assentos.

Se confirmados os números da coalizão oposicionista, serão grandes as consequências. Com dois terços do Legislativo, terá a possibilidade de aprovar referendos e reformas constitucionais, além de designar ou remover autoridades de outros Poderes, como juízes do Supremo Tribunal de Justiça.

Escancarado seu fracasso, Maduro não pôde deixar de capitular. Renegando sua ameaça de resistir com violência, o presidente chegou mesmo a louvar o triunfo da Constituição e da democracia.

O que poderia haver de estadista em Maduro, porém, logo cedeu espaço à persona sectária: "Venceu uma contrarrevolução (...) Não me resta dúvida de que a guerra econômica inibiu parte do eleitorado".

Na fantasia chavista, "empresários golpistas" provocam o desabastecimento de produtos. Na realidade, a Venezuela sofre com a inflação (estimada em 150%) e a recessão (de até 10% neste ano), em parte devido à queda do preço do petróleo, cujo barril caiu de US$ 101, em 2011, para US$ 35, hoje.

A dependência do extrativismo, contudo, só fez crescer desde que Hugo Chávez chegou ao poder. Em 1999, 80% dos dólares arrecadados pelo país vinham do petróleo; em 2015, a fatia passa de 90%.

Não admira que a MUD tenha insistido na ideia de que a conquista do Legislativo seria o primeiro passo para mudar a realidade econômica e reduzir os elevados índices de criminalidade –sem perder de vista, naturalmente, a eleição presidencial prevista para 2018.

Para isso, a coalização oposicionista precisará antes conter suas divergências internas. Criada em 2008, a MUD aglutina partidos da centro-esquerda até a direita mais conservadora; as alas moderadas apostam na conciliação, enquanto as radicais prometem fazer de tudo para derrubar Nicolás Maduro.

A Venezuela, todavia, não precisa que o revanchismo alimente um ambiente político já conflagrado. A vitória no pleito parlamentar mostrou aos oposicionistas –e ao mundo– que, por enquanto, ainda é possível buscar a alternância de poder pela força do voto.


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