Folha de S. Paulo


Kim Kataguiri

Voz das ruas vai concretizar o impeachment

Na luta de Eduardo Cunha versus Dilma Rousseff, onde fica o Brasil?

Parte da imprensa quer fazer parecer -e isso ficou muito claro pelas capas dos jornais desta quinta (3)- que o processo de impeachment é uma batalha entre o bem e o mal. O bem, é claro, é a presidente Dilma.

Segundo a narrativa do adesismo, o impeachment é uma mera investida revanchista de Eduardo Cunha, que não conseguiu o apoio do PT para se salvar no Conselho de Ética da Câmara.

Os que defendem tal argumento parecem esquecer que, até pouco tempo atrás, Cunha era aliado do governo, e inclusive já fez campanha para Dilma. Ignoram o fato de que, mesmo após a manifestação do dia 15 de março, a oposição ainda chamava o impeachment de "golpe" e Dilma, de "presidente honrada".

Enquanto a população pressionava para que o impeachment se tornasse pauta em Brasília, tanto Cunha quanto a oposição estavam absolutamente confortáveis em suas posições. A voz das ruas não ecoava no Congresso Nacional.

Depois de três gigantescas manifestações, uma caminhada simbólica de São Paulo até Brasília e um acampamento que permaneceu por mais de um mês em frente ao Congresso Nacional, o impeachment tornou-se pauta para a classe política. Não havia mais como ignorá-lo. O barulho do Brasil perfurara a bolha que isola Brasília.

Ainda assim, o discurso da imprensa não era o de que a população brasileira havia, pela primeira vez em muito tempo, pautado o debate do Congresso. Construíram uma narrativa na qual a legitimidade de qualquer pedido de impeachment provinha de quem ocupa a presidência da Câmara.

"Ok, vocês estão pedindo o impeachment da Dilma. Mas e o Cunha? Ele pode acolher? Não tira a legitimidade do pedido?" Parece que os jornalistas esqueceram o fato de que o presidente da Câmara dos Deputados é o único que pode acolher tal pedido contra a presidente Dilma.

Infelizmente, Eduardo Cunha é o presidente da Câmara. Posso dizer "infelizmente", com todas as letras, porque, ao contrário do que alguns dão a entender, o Movimento Brasil Livre nunca foi aliado ou soltou nota de apoio a Eduardo Cunha, diferentemente de alguns petistas por aí.

Assim como defendemos o impeachment da presidente Dilma, defendemos a cassação de Eduardo Cunha. Querer que um seja devidamente punido não faz com que você tenha que defender o outro.

O descaramento na defesa do governo pode ser traduzido em números. Recentemente uma startup de tecnologia nos cedeu, pro bono, o direito de usarmos sua ferramenta, que monitora e analisa o fluxo de dados de veículos de imprensa na internet. Os resultados, confirmados também pelo Google Trends, são assustadores

Eles nos revelaram que, entre setembro e outubro, ou seja, antes de o governo sinalizar um acordo com Eduardo Cunha, as notícias sobre o presidente da Câmara foram muito mais frequentes do que entre outubro e novembro, ou seja, depois da sinalização do acordo.

O "G1", portal de notícias da Globo, por exemplo, publicou 258 notícias sobre Cunha entre setembro e outubro. Já no período de outubro a novembro, foram apenas 42 notícias. Essa queda drástica foi registrada em absolutamente todos os veículos de imprensa.

A verdade é que o impeachment é bom para o Brasil. E o que é bom para o Brasil é ruim para a presidente Dilma. E vice-versa.

Eduardo Cunha não tem votos suficientes para aprovar o impeachment na Câmara. Dilma também não tem votos suficientes para barrá-lo. O fator decisivo é a opinião pública. As ruas.

Assim como as ruas fizeram o impeachment ser pauta em Brasília, farão agora com que ele se concretize. E não há nada que Cunha ou Dilma possam fazer sobre isso.

Kim Kataguiri, 19, é coordenador do Movimento Brasil Livre.

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