Folha de S. Paulo


Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak

Possível encerramento da epidemia de Aids

Sempre imaginamos que o fim da epidemia pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV 1 e 2), causadoras de AIDS, só seria possível quando fosse disponível vacina eficiente. De fato esta seria a solução mais simples e mais barata, mas com os meios que temos hoje, aqui e agora, é exequível encerrar a epidemia da infecção por estes vírus.

Para tanto é necessário considerável esforço, recursos e a famosa vontade política –que para problemas relacionados à saúde em geral não está por aí. Mencionaremos manobras necessárias para conseguirmos encerrar a epidemia.

Primeiro, saber quais são os contaminados. Apesar de prova sorológica ser facilitada, gratuita e anônima se a pessoa testada assim o quiser, calcula-se que pelo menos dois terços dos brasileiros acometidos pela infecção não saibam do fato.

O exame pode ser feito em larga escala e sem grandes aportes financeiros, usando estruturas existentes. Seria necessária campanha educativa que insistisse nisso. Marqueteiros que fizeram coisas aparentemente impossíveis, como eleger presidenta Dilma, têm a nosso ver capacidade de convencer a população.

Segundo, tratar todos contaminados, com ou sem sintomas, com esquemas atualizados. É bem conhecido o fato de que pacientes com pequenas cargas virais, abaixo de 1.500 genomas/ml, oferecem baixo risco de serem infectados. Também, está providência pode ser adotada com os recursos que já temos, apenas incrementando-os para a maior demanda que vai surgir.

Outrossim, afigura-se essencial outra campanha educativa para os medicados, explicando que não é adequada a suspensão do tratamento, porquanto uma vez iniciado, dentro do que conhecemos hoje, ele é para a vida toda. Os tais marqueteiros que já citamos deverão ser acionados, e apostamos que suas consciências preferirão trabalhar para o bem em vez de eleger as peças que divulgaram para ganhar as eleições.

Em terceiro lugar, aperfeiçoar o sistema de atendimento de gestantes contaminadas, para garantir a profilaxia da transmissão vertical. É conduta que está funcionando razoavelmente bem, com uma ou outra falha, explicada por falta de conhecimento da grávida ou do sistema de saúde que a atende; contudo, é circunstância e isto é fácil de reparar. Um dos grandes sucessos que temos tido é exatamente evitar a transmissão vertical.

Quarto, tornar muito simples, sem burocratizar as profilaxias pós-exposição –quando alguém tem uma atividade de risco e pode ser tratado nas próximas 24 a 48 horas, e pré- exposição. Está certo que é uma incoerência alguém saber que vai arriscar-se e usar medicação profilática antes, afinal os métodos de barreira foram inventados para isto mesmo. Ainda assim existem seres que não se caracterizam pelo pensamento organizado e bom senso, e há lugar seguramente para esta prevenção.

Ambas as modalidades devem ser incentivadas e fornecidas sem influência de formalidades complexas tão prediletas dos nossos governantes. Se alguém for obrigado a preencher algo como o e-social e gerar uma guia para conseguir medicação, nestas situações, possuímos certeza de que não vai atingir o benefício pretendido.

Em quinto lugar, programas de troca de seringas e agulhas para nossos muitos drogados, sem falsos moralismos, sem partir para a repressão policial e sem atribuições evitáveis. Os programas deste tipo não são o ideal, que é não usar drogas. Porém, redução de danos significa diminuir os riscos da transmissão dos HIV por esta via. Na Europa Oriental esta é a mais comum das maneiras de ocorrer contaminação e a repressão constante não está conseguindo diminuir a disseminação da infecção.

Se tudo isto for feito –de novo insistimos que é factível com o que contamos agora– fica possível tornar muito rara a contaminação e, em prazo curto, finalizar a epidemia. Alguns casos vão aparecer e, idealmente, serão tratados precocemente como preconizamos acima.

Em pouco tempo casos de Aids como os que conhecemos no começo da epidemia e, como ainda hoje são encontrados, figurarão como algo a ser lembrado na história da medicina. Adoraríamos ser a geração que viu nascer a epidemia e que em uma única, a nossa –e confessamos que já estamos na rampa de saída–, constatarmos o encerramento da mesma. Temos a receita: nossos queridos governantes podem executá-la, se quiserem.

VICENTE AMATO NETO, 88, é médico infectologista e professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
JACYR PASTERNAK, 75, é médico infectologista e doutor em medicina pela Unicamp

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