Folha de S. Paulo


Othman Abu Sabha

De Susiya para Caetano

Saber da intenção de Caetano Veloso de nunca mais voltar a Israel me deu esperança. Esperança de que há um entendimento crescente no mundo sobre o que está acontecendo na Palestina. É bom saber que a visita de Caetano a Susiya, aldeia palestina na Cisjordânia, ajudou a mostrar que por trás da imagem de um ambiente vibrante de alta tecnologia está uma uma dura realidade de ocupação e apartheid.

Há anos sou o médico responsável pela clínica local de Susiya. No entanto, agora, a clínica e toda a vila estão sob ordem de demolição. Planos e políticas israelenses pretendem limpar etnicamente 60% da Cisjordânia ocupada, começando por 86 vilas rurais e áreas agrícolas que serão destruídas.

O povo palestino está sendo forçado a abandonar Jerusalém: Israel já expulsou muitos e revogou o direito de residência na cidade de 14 mil palestinos. Aqueles que permanecem enfrentam, diariamente, repressão, demolição de suas casas, políticas racistas e linchamentos.

O objetivo é nos situar nas chamadas zonas de realocação, as quais serão circundadas junto ao resto das cidades e áreas residenciais palestinas por um muro de mais de 700 quilômetros de extensão e oito metros de altura.

Se os planos israelenses forem finalizados, o povo palestino estará confinado à faixa de Gaza, às partes restantes da Cisjordânia, menos de 12% de nossa terra natal histórica, e ao exílio, onde mais de 5 milhões de palestinos refugiados esperam que seu direito de retorno seja respeitado. Como diz Caetano, não é essa a paz que queremos.

Não à toa, uma nova geração de palestinos está liderando uma série de manifestações em mais de 50 localidades ao longo das terras controladas por Israel. Esses jovens sabem que Israel não permitirá a eles nenhum futuro e hoje protestam por sua esperança e dignidade. Removem a aparência de normalidade do regime de apartheid, ocupação e colonização de Israel.

Israel, por sua vez, tenta manter uma cortina de fumaça para garantir que relações econômicas, políticas e culturais com o restante do mundo se perpetuem normalmente. Essa é uma das razões pelas quais, há dez anos, chamamos o mundo para pressionar Israel a respeitar suas obrigações, por meio do movimento internacional de boicote (BDS). Um pedido apoiado amplamente pelos palestinos, porque vincula o mundo a nós por uma solidariedade efetiva.

Esse chamado não traz nenhuma solução final, mas reivindica três direitos básicos estabelecidos pelo direito internacional: o direito dos refugiados, maioria de nosso povo, de retornarem; o fim da ocupação e desmonte do muro; e igualdade para os palestinos cidadãos de Israel. Fico feliz que Caetano tenha atestado publicamente que essas demandas têm fundamento.

Para nós, palestinos, romper os vínculos e a cumplicidade econômica e institucional com as violações de Israel é um elemento imprescindível de nossa luta. De Susiya a Salvador, o movimento BDS une as pessoas ao redor do mundo.

Esperamos que Caetano siga conectado com nossa vila e com nossa luta por justiça, liberdade e igualdade. Convidamos Caetano e todos os artistas latino-americanos a se unirem ao BDS e caminharem conosco rumo à paz que queremos.

OTHMAN ABU SABHA, 56, médico palestino, é responsável pela clínica de Susiya e diretor da Sociedade Palestina de Socorro Médico da região de Hebron (Cisjordânia)
TRADUÇÃO do movimento BDS

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