Folha de S. Paulo


PAULO ALEXANDRE BARBOSA e NELSON GONÇALVES DE LIMA JÚNIOR

Santos e a elevação da maré

Chegou em ótimo momento o resultado da primeira fase da mais recente pesquisa internacional sobre mudanças climáticas e elevação do nível do mar. Apenas três localidades tiveram o privilégio de servir de modelo para a projeção personalizada sobre os cenários climáticos futuros: Broward (EUA), Selsey (Reino Unido) e Santos, a única cidade de toda a América Latina.

O Projeto Metropole reúne os mais renomados cientistas locais e estrangeiros na busca de soluções para a adaptação humana ao aumento do nível do mar, tempestades e ressacas.

Após dois anos de pesquisas em Santos, cientistas chegaram a conclusões inúmeras, entre elas a de que haverá elevação mínima de 18 cm no nível do mar até 2050 (daqui a 35 anos) e que isso pode chegar a um metro em 2100, se for considerada projeção do painel de mudanças climáticas da ONU.

Um desavisado que more em cidade ao nível do mar, como milhões de brasileiros, a esta altura do texto já preparou suas malas e fugiu para as montanhas. Nós, santistas, não.

É fato amplamente divulgado pelos cientistas do Metropole, inclusive nesta Folha, que Santos não terá pontos de alagamento permanentes. Mas terá, sim, de se planejar para maré mais alta, tempestades e ressacas.

A escolha de Santos como base de estudos não se deve ao acaso. O município possui registros de maré desde 1945 e foi objeto de inúmeras pesquisas. O projeto, financiado pela Fapesp, teve apoio de engenheiros da prefeitura e contou com informações das secretarias de Finanças, Desenvolvimento Urbano, Meio Ambiente e Defesa Civil.

Antes mesmo de apoiar o estudo científico, a cidade havia concluído um sistema de georrefenciamento de última geração, a laser. Também já havia iniciado obras e projetos de macrodrenagem para se antecipar às mudanças.

O município tem duas regiões sensíveis ao nível do mar. A primeira é a orla, onde já se identifica processo de erosão na Ponta da Praia. Isso pode estar sendo causado tanto pelo aumento da calha do porto para passagem de navios de maior porte quanto pela alteração do mar. O fato é que Santos está perdendo duas praias e precisa avançar em busca de uma solução.

A segunda região sensível é a Zona Noroeste, fundada sobre uma ampla área de manguezal. Lá, o lençol freático está a meio metro de profundidade e ocorre enchente seca, sem chuva, quando o nível do mar está alto ou a ressaca é muito intensa.

O fenômeno, de ordem mundial, exigirá empenho em milhares de cidades para a população se adaptar às mudanças climáticas. E é exatamente por isso que Santos é uma cidade privilegiada.

Ao ser estudada por esse seleto grupo de cientistas e saber antecipadamente o que pode mudar no ambiente nos próximos 85 anos, a cidade sai na dianteira em planejamento de ações que resultem em melhor qualidade de vida aos cidadãos. São dados que pouquíssimos municípios possuem.

Com esse intuito está sendo criada uma comissão permanente para sugerir as intervenções necessárias na cidade, como construção de quebra-mar, engordamento das faixas de areia nas praias, melhoria do sistema de drenagem e expansão e aprimoramento de diques. O grupo será multissetorial e envolverá representantes dos mais diversos segmentos da sociedade.

Estamos falando de como a cidade, que abriga o maior porto da América Latina e é referência em turismo e qualidade de vida, se adaptará às mudanças climáticas. O grupo multissetorial tem o ponto de partida e o de chegada: que cidade deixaremos para nossos descendentes? Mais uma vez Santos se antecipa. Mais uma vez a cidade se apodera da história futura.

PAULO ALEXANDRE BARBOSA, 36, é prefeito de Santos (PSDB)
NELSON GONÇALVES DE LIMA JÚNIOR, 54, é secretário de Desenvolvimento Urbano de Santos

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