Folha de S. Paulo


Ricardo Lewandowski

Audiência de custódia e o direito de defesa

O Brasil tem 607.731 pessoas presas. Entre essa população, 41% correspondem a presos provisórios, encarcerados ainda sem culpa formada, sem uma condenação definitiva, de acordo com números divulgados pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), órgão do Ministério da Justiça.

Contra esse contingente de presos existe apenas uma suspeita ou uma acusação apresentada formalmente. Mostra-se ainda mais grave esse quadro ao se ter em vista que o lapso temporal entre o momento da prisão e o primeiro contato do encarcerado com a autoridade judicial é, segundo levantamento do Núcleo de Estudos da Violência da USP, de, em média, 120 dias.

Nesse contexto, audiências de custódia servem, especialmente, para evitar o encarceramento desnecessário de pessoas que, ainda que tenham cometido delitos, não devam permanecer presas durante o processo. As audiências de custódia permitem ao juiz a possibilidade de, frente a frente com a pessoa presa, analisar de forma mais cautelosa as circunstâncias da prisão.

Paulo Branco

Desde 1992, integram o ordenamento jurídico brasileiro normas que determinam que o preso deverá ser conduzido "sem demora" à presença de uma autoridade judicial. É o que se estabeleceu na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (artigo 7º, item 5) e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigo 9º, item 3).

O próprio STF (Supremo Tribunal Federal), recentemente, foi responsável por duas importantes decisões sobre o tema: no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.240, em 20 de agosto, "declarou constitucional o projeto, que se iniciou perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, em fevereiro de 2015", e em 9 de setembro, julgando medida cautelar em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347, determinou a implantação das audiências de custódia em todo o país, no prazo máximo de 90 dias.

Além de serem notórios mecanismos a resguardarem a integridade física e moral dos presos, coibindo práticas de tortura, as audiências de custódia visam à consolidação dos direitos ao acesso à Justiça, ao devido processo e à ampla defesa, os quais devem ser garantidos pelo Estado desde o momento inicial da persecução penal.

Por outro lado, o ingresso no sistema prisional de pessoas não comprometidas com o crime organizado favorece o fortalecimento de facções criminosas. Ainda mais relevante do que a economia aos cofres públicos, portanto, é a diminuição das sequelas colaterais da prisão, invariavelmente impostas às famílias e às comunidades em que estão inseridos os aprisionados.

Foi tentando superar esse panorama adverso que desde fevereiro o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em parceria com o Ministério da Justiça, os Tribunais de Justiça Estaduais e o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), vem disseminando a implantação das audiências de custódia pelo país.

A iniciativa do projeto Audiências de Custódia, capitaneada pelo CNJ, já alcança todos os Estados da Federação e seus resultados são superlativamente satisfatórios.

Dados preliminares apontam que cerca de 50% dos presos em flagrante, quando colocados face a face com um juiz, deixam de ser recolhidos aos superlotados cárceres brasileiros, indicando uma economia de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos nos próximos 12 meses. Decisões judiciais e iniciativas de projetos como o encabeçado pelo CNJ são essenciais para a efetivação de direitos fundamentais do cidadão.

RICARDO LEWANDOWSKI, 67, é presidente do STF - Supremo Tribunal Federal e do CNJ - Conselho Nacional de Justiça

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