Folha de S. Paulo


JOSÉ ADRIANO CASTANHO FERREIRA

Deve acabar a restrição a capital estrangeiro em empresas de transporte aéreo? Não

EM DEFESA DA AVIAÇÃO NACIONAL

Existem vários projetos de lei no Congresso que tratam da participação do capital internacional nas empresas aéreas brasileiras, porém dois deles se destacam pelo absurdo de propor a abertura total e irrestrita, permitindo que as companhias sejam 100% controladas por estrangeiros, sem que haja nenhum estudo de impacto ou análise de risco.

São os Projetos de Lei do Senado nº 2/15 e o nº 330/15, ambos em pauta na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) daquela Casa.

Os maiores mercados do mundo mantêm controle sobre sua aviação. Nos Estados Unidos, por exemplo, o limite para participação de capital estrangeiro nas companhias locais é de 25%. Nos países da União Europeia, esse índice é de 49%. O Brasil, que hoje possui o quarto maior mercado mundial de aviação, tem limite de 20%.

Defender esse mercado é estratégico para o país, já que todas as previsões apontam para um crescimento ainda maior do setor –será o terceiro maior do planeta em 2017, segundo projeção da Associação Internacional de Transporte Aéreo.

Nada justifica entregarmos esse mercado a estrangeiros, correndo risco de um impacto direto nos empregos e de um escoamento bilionário de divisas para o exterior. O mercado 100% aberto ao capital estrangeiro tende ao monopólio, causado pela concorrência predatória entre as gigantes do exterior e as empresas domésticas, que acabam sendo compradas pelas mais fortes ou indo à falência.

O governo não possui controle sobre empresas dominadas por capital estrangeiro para forçar a operação por interesses sociais e para locais isolados ou de pouca demanda. Dessa forma, perde a economia local e perdem os usuários do transporte aéreo, com oferta de voos limitada por interesses econômicos.

Além disso, as estrangeiras passariam a ditar as tarifas, colocando a população à mercê de um mercado fora do controle nacional.

A experiência de países que adotaram esse modelo mostra impactos desastrosos. Como um exemplo claro é possível citar o caso da companhia Aerolíneas Argentinas, que teve 85% de seu capital adquirido pela espanhola Iberia.

Após uma diminuição drástica das rotas e sucateamento das aeronaves, a companhia foi reestatizada, em um processo que custou milhões de dólares ao governo argentino. Poucos países tiveram sucesso com esse modelo de abertura –nenhum com posicionamento geográfico privilegiado e com dimensões continentais como o nosso.

A pergunta que devemos fazer é esta: a quem poderia interessar a abertura total e irrestrita do capital no Brasil? Hoje, temos quatro empresas aéreas de grande porte no país e todas já possuem alguma participação de capital estrangeiro.

Vários outros projetos já tratam de alguma forma da abertura dos céus no Brasil, tanto no Legislativo como no Executivo e agências de regulação –acordos bilaterais, fusão de marcas, intercâmbio de aeronaves e liberdade de licenças e de matrículas. Nenhum desses projetos, porém, está sendo considerado na discussão dos projetos de lei que tratam da abertura do capital.

A aprovação de uma lei nesse sentido, somada a todos esses fatores, poderá resultar na instituição da cabotagem camuflada no país, similar ao que ocorre no sistema marítimo (marinha mercante), em que empresas estrangeiras ditam as regras de todo o transporte de grande porte realizado aqui.

O que o Brasil precisa é decidir se está disposto a entregar também a sua aviação. Precisa definir também se o fará por falta de competência ou por alguns interesses escusos.

JOSÉ ADRIANO CASTANHO FERREIRA, 40, comandante de linha aérea, é presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas

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