Folha de S. Paulo


VIVIANA BONILLA

O que está por trás dos protestos no Equador

O artigo "Conheça o rei dos coxinhas", publicado por Clóvis Rossi na edição de 24/8, começa ironicamente perguntando aos leitores se eles conhecem Gene Sharp, cientista político norte-americano reconhecido como o teórico das estratégias conspiratórias para desestabilizar governos.

Até poderia existir divergência em definir quem é o criador do denominado "golpe brando", mas seria insensato negar a existência deste processo em curso para derrubar governos eleitos democraticamente. É fato que há espaço para suposições que passam longe de teorias da conspiração: o golpe brando é uma estratégia real de desestabilização.

No Equador, a intentona golpista de 2010, disfarçada de descontentamento por parte de policiais e militares em relação à lei de serviço público, é a mais evidente prova do "golpe brando".

Viu-se que o suposto "ato espontâneo" de um grupo de servidores das forças de defesa do país "coincidiu" com a tomada do Aeroporto Internacional de Quito, da televisão pública ECTV, da Assembleia Nacional e o sequestro do presidente Rafael Correa.

Tudo acompanhado por cartazes elaborados previamente e cobertura ao vivo dos meios de comunicação privados exatamente nos lugares de conflito horas antes dos ditos "atos espontâneos".

Rossi também afirma que "a recente mobilização no Equador não foi obra dos 'coxinhas', mas, predominantemente, do movimento indígena". Só um total desconhecedor da realidade do Equador se atreve a sustentar tal argumento ou o usa com o objetivo de confundir o leitor -ou ambos.

A última mobilização no Equador foi deslegitimada publicamente pela mesmas bases desses movimentos indígenas, que questionaram os líderes das manifestações, já que junto aos pseudodirigentes indígenas marcharam donos de bancos e políticos tradicionais de direita.

No Equador, a história dos levantamentos indígenas, quando impulsionados desde suas bases, chegaram a mobilizar entre 100 e 200 mil pessoas. O protesto em agosto não mobilizou, no seu melhor momento, mais do que mil pessoas, e muitas não foram capazes de explicar o real motivo da marcha.

Em 13 de agosto, data que concentrou mais gente da oposição, misturando de representante de bancos à sindicalistas alinhados à direita, não havia mais de seis mil pessoas.

Com certeza a maioria dos que participaram das manifestações conhece Sharp. Para eles, não faz diferença a estratégia que se usa, seja de direita ou de extrema esquerda, desde que se alcance o objetivo de derrubar o governo.

Seguindo o raciocínio que Clóvis Rossi tenta incutir aos leitores, como explicar que os dirigentes indígenas que promoveram a estatização dos bancos agora marchem junto aos banqueiros? Ou ao lado dos empresários que promovem acordos comerciais internacionais em detrimento dos interesses indígenas? Não faria qualquer sentido.

Fato é que as bases desses movimentos não apoiam estas manifestações promovidas pelos que se autodenominam seus dirigentes, mas que na prática são instrumentos dos interesses da direita.

Finalmente, o colunista se mostra um profundo desconhecedor do mecanismo constitucional do Equador que permite encerrar antecipadamente um mandato, conhecido como "revocatória de mandato".

Este foi um instrumento criado durante a própria gestão de Rafael Correa, que inclusive sugeriu aos opositores para que o usassem, prova de seu compromisso com as instituições democráticas.

Não temos medo de fantasmas. Não se trata de temer golpes tradicionais ou brandos. O que denunciamos são estratégias reais que estão em curso contra os governos progressistas da América Latina.

Seria bom se Clóvis Rossi sugerisse à oposição equatoriana que recorressem às vias constitucionais para a "revocatória do mandato" caso de fato tivessem certeza do "descontentamento generalizado" da população contra o governo.

A verdade é que não utilizam as vias constitucionais por não terem apoio da população. Só assim, nas urnas -uma vez mais-, demonstraremos quem são os mentirosos com problemas patológicos e ideológicos. Sabemos, de antemão, de que lado o povo equatoriano está.

VIVIANA BONILLA é secretária nacional de Gestão Política do Equador

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