Folha de S. Paulo


Alexandre Secco

Coca-Cola, Google e Facebook

Novas tecnologias quase sempre assustam até que aprendemos a viver com elas, mesmo sem compreendê-las muito bem. Ninguém precisa entender de aerodinâmica para se sentir seguro dentro de um Boeing. Por interesse de todos os envolvidos no negócio da aviação, foram criadas regras efetivas e transparentes para manter o risco de voar em níveis muito baixos.

Para usar o Google ou o Facebook, outro tipo de ferramenta complexa, também não é preciso entender de algoritmos e programação. Porém, há uma sensação de que existem muitas nuvens em volta dessas operações e começa a surgir a noção de que também há uma taxa risco no uso dessas ferramentas. Na Europa, Estados Unidos, Índia e aqui no Brasil a discussão está esquentando.

Em um estudo emblemático conduzido nos laboratórios do Facebook em parceria com a Universidade de Cornell em 2012, os pesquisadores manipularam conteúdos apresentados no feed de notícias de 700 mil usuários com o propósito de manipular suas emoções. Segundo os autores, a experiência foi um trabalho acadêmico sem maiores consequências. Porém, o debate sobre o caso foi um marco na discussão sobre os limites desse tipo de intervenção e ainda deixou uma pergunta: quem está realmente no comando, as pessoas ou essas empresas?

Dizem que o algoritmo do Google é a nova fórmula da Coca-Cola, uma comparação interessante. O refrigerante está em teste há 130 anos e já se especulou tanto sobre seus ingredientes que há muito tempo o segredo é só no marketing. Mas demorou para que o real problema, o açúcar, entrasse em pauta.

Google tem menos de 20 e Facebook pouco mais de dez anos. Não se sabe muito sobre suas operações, onde recolhem impostos, o que fazem com os dados que os usuários lhes entregam de graça e coisas desse tipo. Algumas empresas avançam tão rápido e investem tanto em cérebros e tecnologia que a sociedade não consegue acompanhar. Natural.

Mas o Google e Facebook também fazem mistério em áreas onde outras empresas já aprenderam a valorizar a transparência. Desde a década de 90, as empresas de comunicação no Brasil divulgavam o valor de investimentos em mídia recebidos. As informações eram reunidas pelo projeto Inter-Meios. São dados tão importantes que a Inglaterra obriga a divulgação.

Aqui o projeto foi interrompido porque Facebook e Google, que são vistas pelo mercado como duas empresas de mídia, negaram-se a fornecer seus números. Embora não existam informações objetivas, calcula-se que devam estar entre as maiores vendedoras de publicidade no Brasil.

Aliás, quanta ironia. Tanto investimento em pesquisa e tecnologia para fazer algo tão antigo como vender publicidade, os "reclames", como diziam nossos avós.

Toda essa conversa nos conduz a um projeto de lei apresentado pelo deputado federal Cláudio Cajado (DEM-BA) que propõe a responsabilidade criminal para redes sociais, portais e provedores que hospedarem sites com ofensas e difamações contra políticos. E a um outro, de Silvio Costa (PSC-PE), que sugere a coleta de dados pessoais de pessoas que fizerem comentários em fóruns e atualizações em redes sociais.

As medidas, segundo eles, permitiria punir eventuais excessos. Ninguém discute as boas intenções dos parlamentares, apesar do Congresso já ter empregado anos em discussões para a aprovação do Marco Civil da internet, que já é lei e prevê essas situações.

Revela uma tentativa de proteger o cidadão daquilo que ainda é, sob vários aspectos, uma grande novidade. Mas essas preocupações mostram também como ainda estamos longe do momento em que vamos enfrentar as discussões no nível das complexidades e desafios apresentados por empresas como Google e Facebook.

ALEXANDRE SECCO, 46, jornalista, é diretor da Medialogue Comunicação Digital e do Comitê de Marketing Político da Abradi - Associação Brasileira dos Agentes Digitais

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