Folha de S. Paulo


Priscila Cruz

Andar pra frente

Coordenada pelo Ministério da Educação, está a pleno vapor a construção de uma proposta de Base Nacional Comum, documento que deve definir o que os alunos têm direito de aprender ao longo da Educação Básica. Felizmente, o debate sobre a Base está crescendo e incluindo novos atores.

Está na pauta da imprensa e é tema de artigos de especialistas de diferentes áreas, de mesas de congressos em todo o país, de conversas de gabinete e de bastidores. O motivo de tanto debate é sua reconhecida importância como política pública, a diversidade de opiniões sobre seu conteúdo e também o modo como ela deve ser construída.

Não poderia ser de outro modo. Afinal, definir o que nossas crianças e jovens vão aprender vai além de uma questão educacional: trata-se também de um projeto de nação.

Contudo, apesar de ser uma etapa importantíssima, não podemos nos deixar encantar pela tarefa como se ela fosse um fim em si própria. Ter uma Base Nacional Comum bem definida é fundamental para alcançarmos justamente aquilo que parece ser contraditório a ela: escolas com mais autonomia e identidade própria.

Curiosamente, a origem etimológica da palavra "base" não tem nada de estático. Do grego basís, quer dizer "andar com os pés". Ou seja, é necessário ter uma base que sirva de apoio para seguirmos adiante. Ela é condição para que aquilo que realmente importa seja efetivado: a aprendizagem, para que nossas crianças e jovens possam compreender, analisar e transformar o mundo cada vez mais complexo do século 21.

Para isso, é necessário outro modelo de escola, mais articulada com o projeto de vida dos alunos, que os motive, os impulsione a andar com os próprios pés. Que seja a base.

A base, obviamente não é o todo. Não pode ser.

É fundamental que ela seja implementada como ponto de partida para algo muito mais ambicioso: assegurar e favorecer o trabalho criativo, inovador e contemporâneo de professores e escolas. É preciso que tenhamos total clareza da articulação da Base com as demais políticas educacionais, para não errar o alvo e não a tornar uma amarra, nivelando por baixo ou padronizando.

A implementação é de fundamental importância, pois é uma fase que, se mal executada e mal articulada, pode destruir uma oportunidade extraordinária.

O Brasil é excepcional formulador de novas leis e políticas públicas. Mas damos atenção infinitamente menor à execução. Para dar um exemplo de má implementação na Educação, a Progressão Continuada, que deveria garantir o progresso dos alunos ano a ano, com reforço escolar contínuo, efetiva-se como uma aprovação automática, que os empurra pelo sistema sem garantir sua aprendizagem e acaba por expulsá-los da escola.

Nesse sentido, a Base Nacional Comum só terá efeito positivo com o absoluto compromisso de todos em fazê-la disparar as mudanças necessárias à modernização do nosso sistema educacional –tanto na avaliação de larga escala com melhores devolutivas e análise de contexto como na produção mais diversificada de materiais de apoio pedagógico e de gestão escolar e na formação inicial e continuada dos professores, para que eles possam ir muito além do que está na Base.

A obsessão deve consistir em estimular uma nova forma de fazer e garantir Educação de qualidade para todos. Uma árdua tarefa. Mas, no campo da Educação, não há meia medida quando se trata de atingir a qualidade necessária.

PRISCILA CRUZ é fundadora e diretora executiva do movimento Todos Pela Educação e mestre em Administração Pública pela Harvard Kennedy School

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