Folha de S. Paulo


editorial

Liberdades supremas

Deve começar nesta quinta-feira (13), no Supremo Tribunal Federal, um julgamento que poderá resultar na descriminalização de drogas para uso próprio no Brasil.

Descrita nesses termos, a possível mudança pode parecer revolucionária. Seria de fato um passo importante, mas nada parecido com uma quebra de paradigma. Legislações de vários países, inclusive na sempre atrasada América Latina, já deixam de punir o usuário.

O próprio Brasil havia avançado no sentido de não tratar o usuário como criminoso com a aprovação da lei 10.409, de 2002, que trocava a pena de prisão prescrita em norma anterior pelo encaminhamento a tratamento psiquiátrico.

Ocorre, contudo, que tanto a 10.409 como sua sucedânea, a lei 11.343, de 2006, não fixaram critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes.

O enquadramento, assim, ficou a cargo de policiais e promotores, e a consequência foi perniciosa: um expressivo aumento das condenações por tráfico.

Pessoas que antes respondiam a processo como usuárias –sujeitas, portanto, a penas mais leves de encarceramento– passaram a ser catalogadas como traficantes, com a possibilidade de receber penas de até 15 anos de reclusão.

A figura do usuário, que o legislador tinha a intenção de proteger, foi, na prática, prejudicada pela mudança da lei.

Dessa forma, a fim de que uma eventual decisão do Supremo de descriminalizar drogas para consumo próprio seja eficaz, será necessário que o legislador ou o próprio tribunal defina critérios quantitativos claros para distinguir o usuário do traficante, ou o "statu quo" tenderá a ser mantido.

De todo modo, tão importante quanto as questões práticas são as sinalizações. Se o STF, como se espera, afirmar que em regra o Estado não tem legitimidade para regular o que uma pessoa faz apenas consigo mesma, estará preparando o terreno para que o debate sobre a legalização das drogas avance.

O mundo já viveu praticamente um século sob o paradigma da proibição e da guerra às drogas –e os resultados são frustrantes. Gastam-se bilhões de dólares em repressão e submetem-se centenas de milhares de pessoas a penas de encarceramento somente para manter mais ou menos estável o número de usuários.

Já passa da hora de tentar uma abordagem diferente, testando diferentes regimes de descriminalização e legalização para encontrar uma fórmula satisfatória, que resulte em ampliação das liberdades, economia de recursos públicos, com o menor impacto possível sobre a saúde pública.

Que o STF dê a sua contribuição.

editoriais@uol.com.br


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