Folha de S. Paulo


EDITORIAL

Acima dos partidos

Depois do tom acerbo na campanha eleitoral, ao qual se seguiram demonstrações de intransigência e petulância mesmo quando a crise política e econômica se mostrava irrefreável, entende-se que uma aproximação sugerida por petistas seja recebida com vasta desconfiança por seus opositores.

O que haveria por trás do sinal reservado emitido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)? Mera tentativa desesperada de evitar um impeachment de sua sucessora, Dilma Rousseff (PT)? Reedição da estratégia que garantiu sua sobrevivência após ter vindo à tona o escândalo do mensalão, em 2005?

Destinatário da mensagem conciliatória, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) respondeu com sobriedade. Está "disposto a contribuir democraticamente" para a discussão de temas como reforma política, desde que exista "uma agenda clara e de conhecimento público".

Se, num primeiro momento, Lula procurou negar o gesto que reportagem desta Folha revelava, ministros do governo Dilma utilizaram o lance seguinte para endossar o diálogo.

Manifestações de Jaques Wagner (Defesa), Edinho Silva (Secretaria de Comunicação Social) e Pepe Vargas (Direitos Humanos) deram a entender que o próprio Planalto estimula o movimento. Já Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, se declarou a favor de conversar "com quem faz política".

Nada impede, naturalmente, que a iniciativa se mostre inócua. Talvez tenha ocorrido demasiado tarde. Talvez se confunda com articulação calculada para dividir as hostes oposicionistas –se é que não se trata precisamente disso. Talvez os próceres do PSDB prefiram não se avizinhar de pessoas cujo destino na Operação Lava Jato passa longe de ser conhecido.

Mesmo que as barreiras do descrédito sejam superadas, é grande a distância até negociações efetivas sobre uma concertação capaz de tirar o Brasil do lodaçal em que se acha atolado. Distância que, para ser coberta, pode necessitar que a deterioração da autoridade presidencial se agrave ainda mais do que se viu até este ponto.

De todo modo, decerto existem no país bolsões com potencial para exercer uma desejável influência moderadora. No setor privado, ou ao menos nas fatias que não se encontram envolvidas em escândalos de corrupção, há espaço para a emergência de líderes empresariais com inclinação mais republicana.

Na frente política, como eventual solução intermediária, os governadores têm condições de devolver racionalidade ao Congresso. Embora não tenham controle absoluto sobre as bancadas estaduais, representam uma das poucas forças aptas a, quem sabe, romper o nó que estrangula as relações entre Planalto e Parlamento.

Fato é que a crise que paralisa o país e a completa incapacidade do governo Dilma de lidar com ela começam a tornar impositivo algum tipo de consenso, um pensamento que paire acima das diferenças partidárias e ponha em primeiro plano os interesses nacionais.


editoriais@uol.com.br


Endereço da página:

Links no texto: