Folha de S. Paulo


EDITORIAL

Questão de prioridade

A ideia ainda está em gestação, mas já deveria provocar arrepios em todos os cidadãos que prezam o combate à corrupção e se preocupam com a seriedade das instituições brasileiras.

Segundo se noticia, Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, estuda uma estratégia para quebrar a linha de frente do Ministério Público Federal (MPF) na Operação Lava Jato, que investiga desvios bilionários na Petrobras.

A manobra consistiria em retardar a apreciação, no Senado, do nome que vier a ser indicado pela presidente Dilma Rousseff (PT) para chefiar o MPF pelo próximo biênio.

Mantendo tradição iniciada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a petista deve designar o candidato mais votado em uma eleição realizada pelo órgão.

Favorito na disputa interna, o atual procurador-geral da República, Rodrigo Janot, só poderá ser reconduzido ao cargo, contudo, se contar com a aprovação da maioria absoluta dos senadores –regra estabelecida pela Constituição, que entretanto não fixa prazos.

Caso se encerre seu mandato (no dia 17 de setembro) sem essa definição, assumirá interinamente o vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público. Trata-se de Eitel Santiago de Brito Pereira, que jamais constou de lista tríplice elaborada pelo MPF.

O problema não está na figura de Pereira, mas na própria maquinação atribuída a Renan Calheiros. Incluído em março na lista de autoridades investigadas pela Procuradoria-Geral da República, o peemedebista busca desde então uma maneira de retaliar Janot.

Político experimentado e ardiloso, Renan decerto sabe que, hoje, as investigações conduzidas pelo MPF não dependem apenas de uma pessoa, e o afastamento provisório ou definitivo do atual chefe do órgão não seria garantia de tranquilidade. Mas o senador também sabe que mudanças na cúpula dificilmente deixariam de se traduzir em atrasos processuais.

Pouco importa, na verdade. A movimentação pode dar com os burros na água e nem por isso estará livre das mais duras críticas.

Assim como Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, e o ex-presidente Fernando Collor, senador pelo PTB-AL –para citar os mais retumbantes–, Renan Calheiros ensaia pôr uma instituição de Estado a serviço de seus interesses pessoais.

Embora a atitude seja inaceitável, pode-se entender por que agem desse modo alguns políticos sobre os quais pesam graves suspeitas: enfraquecer os órgãos de investigação é sua prioridade. Espera-se que a dos demais deputados e senadores vá precisamente na direção oposta.

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